Assinem:
To: Superior Tribunal de Justiça
“O caso revela de forma emblemática o padrão de violência que acomete toda uma região na divisa entre a Paraíba e Pernambuco, onde estão as cidades limítrofes Pedras de Fogo e Itambé, marcadas pela voraz atuação de grupos de extermínio, compostos por particulares e agentes estatais (policiais militares e civis), acobertada pela certeza da impunidade. Segundo o relatório da CPI sobre grupos de extermínio na região Nordeste, em dez anos, mais de 200 execuções sumárias foram praticadas por esses grupos na divisa entre aqueles Estados. Neste contexto, o caso Manoel Mattos é emblemático de gravidade extrema, a envolver a execução sumária do advogado pernambucano, notório defensor de direitos humanos, ex-vereador em Itambé e vice-presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) estadual de Pernambuco.” (Flávia Piovesan)[1]
Não se calar diante da atuação de grupos de extermínio na região fronteiriça de Pernambuco e Paraíba fez parte da militância do defensor de Direitos Humanos Manoel Mattos. Homem de vida pública e sabidamente marcado para morrer, este denunciou por mais de dez anos a atuação de grupos de “justiceiros” que instauravam terror na região, chamando atenção para essa situação, fazendo seu caso repercutir até mesmo internacionalmente, sem contudo, ter recebido um resposta eficiente para a situação do Estado brasileiro.
Assassinado em janeiro de 2009 em virtude de sua atuação enquanto defensor dos direitos humanos, o crime contra Manoel Mattos e sua memória devem servir como fio condutor para uma reflexão profunda da sociedade brasileira sobre a atuação desses grupos e do descaso e até mesmo conivência estatal na região.
Em 2009, após o seu assassinato, a Dignitatis – Assessoria Técnica Popular e a Justiça Global peticionaram á Procuradoria Geral da República para que fosse requerido por esta o pedido de Incidente de Deslocamento de Competência, mais conhecido como a federalização dos crimes contra os direitos humanos.
Tal incidente, de número dois, tramita no Superior Tribunal de Justiça, tendo como relatora a Ministra Laurita Vaz, onde é requerida a federalização do crime contra o defensor de direitos humanos Manoel Mattos e de outros 200 crimes cometidos na região pela atuação desenfreada de grupos de extermínio.
O Incidente de Deslocamento de Competência é um instrumento jurídico previsto constitucionalmente com a edição da emenda de n° 45. Este prevê o deslocamento da competência da esfera estadual para a federal a qualquer tempo do processo ou inquérito, por requisição do Procurador Geral da República, quando se tratar de graves violações aos direitos humanos.
Para que possa existir o deslocamento de competência há necessidade de preenchimento de alguns requisitos, sendo estes: estar diante de uma grave violação aos direitos humanos e risco do Estado brasileiro ser punido diante esferas internacionais. O Superior Tribunal de Justiça no julgamento do IDC n°1/PA, estabeleceu como requisitos para a federalização que o descumprimento de tratados internacionais seja resultante “da inércia, negligência, falta de vontade política ou de condições reais do Estado-membro, por suas instituições, em proceder à devida persecução penal”.
O caso em tela preenche rigorosamente esses requisitos. Estamos diante de um assassinato envolvendo um defensor de direitos humanos que dedicou sua vida ao fim dos grupos de extermínio na região entre os Estados da Paraíba e Pernambuco, situações essas onde agentes públicos dos dois Estados são integrantes de uma rede que estabelece desde financiadores à proteção policial e judicial para aos referidos grupos.
Além disto, existe uma séria violação a uma determinação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos que determinou proteção à Manoel Mattos no ano de 2002, durante todo o ano de 2008 esse esteve sem qualquer proteção.
O descumprimento das medidas cautelares determinadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos ensejou no descumprimento específico dos direitos à vida, à integridade física e as garantias judiciais, todos constantes da Convenção Americana de Direitos Humanos, ou seja, resta comprovada a ocorrência do segundo critério estabelecido constitucionalmente.
O Estado brasileiro é responsável pelas violações ocorridas e poderá ser responsabilizado internacionalmente caso não desloque a competência para investigação e julgamento dos responsáveis pela morte de Manoel Mattos, assim como para o desmantelamento dos grupos de extermínio historicamente denunciados por Manoel.
Para além de preencher todos os requisitos jurídicos, o caso de Manoel Mattos e os outros 200 casos que se pede a federalização representam um combate á atuação de grupos de extermínio na Paraíba e em Pernambuco, significando uma afirmação dos direitos humanos e do combate à impunidade e à corrupção.
Vindo a ser federalizado esse caso poderá ensejar um amplo debate pela sociedade brasileira sobre a atuação dos grupos de extermínio no Nordeste brasileiro, assim como sobre a participação e envolvimento direto de agentes estatais que deveriam defender á sociedade e á moralidade pública em tais crimes.
Federalizar o crime cometido contra Manoel Mattos e os 200 casos é combater a atuação imoral dos grupos de extermínio na região, é também contribuir para desmantelar um esquema de corrupção e de financiamento desses grupos que se dá, como já dito, muitas vezes, pelo próprio Estado.
Federalizar também é dar visibilidade à atuação dos defensores de direitos humanos, evidenciando o descaso que o Estado brasileiro vem tendo com esses agentes. É imperativo que a sociedade brasileira se posicione favoravelmente á federalização, pois implica também num julgamento no mínimo mais isento e imparcial do que ocorre no âmbito da justiça estadual dos Estados de Pernambuco e Paraíba.
Importante salientar que esses dois Estados também reconhecem a necessidade de deslocamento de competências nos casos em tela, ou seja, Paraíba e Pernambuco reconhecem sua incapacidade e deficiência para dar respostas efetivas aos casos citados.
O IDCn° 2 será julgado pela terceira seção do Superior Tribunal de Justiça no segundo semestre de 2010. A previsão de julgamento é para o dia 25/08/2010.
Diante do exposto, pede-se apoio à sociedade brasileira para a federalização do crime contra o defensor de direitos humanos Manoel Mattos e dos 200 casos relativos à atuação dos grupos de extermínio
Dignitatis – Assessoria Técnica Popular
Justiça Global
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