24 de abril de 2011

AS TRAVESTIS E O TRABALHO....



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Travestis trabalhando...

À Malú,

prometendo-lhe que um dia a dignidade huma

será rigorosamente protegida pela sociedade brasileira.

As travestis integram um grupo social cada vez mais numeroso e proeminente na sociedade brasileira e mundial. Embora ridicularizadas pela moral coletiva, a verdade é que já se apresentam catalogados pela ciência médica outros gêneros que não apenas o masculino e o feminino biológicos. Com efeito, fala-se modernamente em transgêneros, dos quais integram como espécie da ampla diversidade da sexualidade humana as transsexuais, as travestis e outros afins.

De acordo com a etimologia, o termo "travesti" tem origem na variante saxônica "transvestite". Acredita-se que tenha sido cunhado a partir dos estudos do sexologista alemão Magnus Hirschfeld, que publicou a obra "Die Transvestiten", em 1925. Nela, o termo "transvestite" descreve pessoas que se vestiam voluntariamente com roupas do sexo oposto.

Apesar do registro de alguma pouca conquista no papel e lugar social ocupado por este grupo, ainda é regra o fato de que as travestis edificam sua identidade com vinculação inafastável ao trabalho de prostituição.

Nesse diapasão, de todas as minorias sociais, aquela que encontra maior dificuldade no mercado de trabalho formal e digno é o grupo das travestis. A sociedade machista, fálica, hipócrita e sexista não aceita que um macho, ser tido como dominador por todas as culturas patriarcais ainda vigorantes, renegue sua masculinidade para assumir trejeitos e feições femininas. Ao contrário dos homossexuais masculinos, embora discriminados por sua identidade sexual quando descoberta, as travestis não têm como disfarçar sua condição biopsíquica e, por isso, normalmente, não são aceitas em outros ofícios que não seja o exercício da prostituição.

Assim, para a maioria das travestis, nada resta senão o trabalho sexual com o próprio corpo como situação inafastável. As zonas de prostituição, mais do que ambientes de trabalho, revestem-se de espaço de vivência, já que a sociedade lhes nega os mais básicos direitos à dignidade humana, dentre estes, é óbvio, o direito ao trabalho. Assim registra Marcos Benedetti: "é nestes lugares que muitas 'monas' fazem amizades, compram e vendem roupas, objetos, materiais de montagem (termo êmico utilizado para denominar o ato de vestir-se com roupas de mulher), perfumes, adornos, drogas etc".

Doutra banda, no caso do Brasil, não podemos esquecer que o trabalho de prostituição desenvolvido pelas travestis é de extremo risco. Estatísticas apontam que, em 2010, foram assassinadas 104 travestis e transexuais. Nunca antes, na história deste país, foram mortas tantas travestis: 84% das vítimas eram "travestis de pista", assassinadas na rua, das quais 53% foram atingidas por tiros, 28% espancadas e 19% morreram esfaqueadas. Frise-se que grande parte dos crimes "transfóbicos" são cometidos com requintes de crueldade. Por exemplo, a travesti Mauri, de Montalvânia-MG, recebeu 72 facadas, e Maurícia, de São Luiz-MA, 27. Em 8% destes "travesticídios", há suspeita de envolvimento com drogas (Fonte: sítio UOL/Grupo Gay da Bahia).

É claro que essa postura arcaica e segregacionista de facções pseudo moralistas da sociedade contemporânea não encontra lastro na Constituição da República e dá azo para que o Brasil se torne um país neonazista e onde seres humanos tidos como inferiores ou marginais sejam caçados nas ruas como a mais abominável das bestas ou monstros.

Ora bem, como dito, basta uma breve vista nos primados constitucionais, para verificar que discriminar seres humanos por motivos de identidade sexual agride à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal), os princípios da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II, CF) e da não discriminação (art. 3º, IV, CF). Sem mencionar que há golpes letais a inúmeros direitos e garantias fundamentais previstos no art. 5º, como a igualdade de gênero (inciso I), a inviolabilidade da honra (inciso X) e a não submissão à tortura, tratamento desumano ou degradante (inciso III).

Ao menos no caso das travestis que não têm o direito de escolha ao trabalho, não se pode falar em plena opção para a auto prostituição, mas em praticamente um único caminho de sobrevivência em face do livre exercício do personalíssimo e indisponível direito à identidade e à diversidade sexual. Gostaria de perguntar ao leitor se já presenciou uma travesti empregada em alguma loja de qualquer shopping center do país...

Agora, leis nunca serão suficientes para mudar a mentalidade da sociedade. A justiça ampara-se em diversos vetores, dentre eles o lastro cultural do seu povo. Aprendemos, no Curso de Direito, que "ser legal" é bem diferente de "ser justo". Só espero, todavia, que em um futuro próximo, as travestis possam ter acesso ao mercado de trabalho, como qualquer um de nós, e que as regras morais e religiosas não sirvam de supedâneo para condenar seres humanos ao inferno, mesmo antes da morte.


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