A polêmica instalada em torno do projeto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte tem o potencial, ao menos, de revelar para a sociedade brasileira os limites impostos para a aplicação das políticas públicas de meio ambiente em nosso país. Os conhecidos, e agora mais divulgados, expedientes de flexibilização das regras e procedimentos do Licenciamento Ambiental ganharam notoriedade com Belo Monte, sobretudo em razão da magnitude das implicações socioambientais.
A administração do Licenciamento Ambiental pelo Estado brasileiro vem perdendo efetividade como instrumento de planejamento e gestão, e é nesse sentido que a publicidade do caso de Belo Monte, com a profusão de decisões contrárias a pareceres técnicos elaborados pelas equipes das instituições envolvidas no processo de discussão sobre a viabilidade do empreendimento (Ibama e Funai) pode contribuir para o debate e para um processo de maior controle social sobre o Licenciamento Ambiental.
A gestão pública ambiental tem como base normativa fundamental a lei federal 6.938/81. Ao dispor sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, a citada lei criou os mecanismos necessários à sua implementação e execução, dentre eles, a Avaliação de Impactos Ambientais e o Licenciamento e a Revisão de Atividades Efetiva ou Potencialmente Poluidoras.
Desde a implementação, com diversos disciplinamentos e regulamentações posteriores, a Avaliação de Impactos Ambientais e o Licenciamento Ambiental têm sido os principais instrumentos de planejamento e gestão adotados pelo Estado no controle das atividades classificadas como modificadoras do meio ambiente.
A institucionalização da Avaliação de Impactos Ambientais com a definição do procedimento do Licenciamento Ambiental, sofreu, entretanto, e desde a sua formulação inicial, forte resistência por parte do chamado "setor produtivo" brasileiro. A relutância do empresariado ficou patente, inicialmente, com a apresentação, pela Confederação Nacional da Indústria, de uma série de sugestões de vetos à lei 6.938/81 durante sua tramitação, com destaque para a obrigatoriedade dos estudos ambientais prévios que a legislação instituía como necessários ao licenciamento das atividades econômicas modificadoras do meio ambiente.
Apesar do quadro inicial de resistência, a trajetória da institucionalização do Licenciamento Ambiental revela uma fase de avanços importantes, sobretudo em alguns setores mais estratégicos, entre eles, e destacadamente, o chamado Setor Elétrico.
Com iniciativas pioneiras, o Setor Elétrico brasileiro, por intermédio da Eletrobrás, buscou a estruturação organizacional necessária à abordagem sócio-ambiental da expansão da oferta de energia no país. Para tanto, e além da criação de departamentos específicos de meio ambiente no âmbito de suas empresas, uma intensa e importante produção normativa interna se verificou com a elaboração de manuais e planos diretores de meio ambiente, contendo procedimentos a serem seguidos no desenvolvimento de novos projetos de geração e transmissão de energia elétrica.
O Manual de Estudos de Efeitos Ambientais dos Sistemas Elétricos, de 1986, e o Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico (1991–1993), são documentos de orientação "técnica" que prenunciavam a possibilidade de um compromisso de responsabilidade ambiental que poderia se consolidar como uma prática setorial menos agressiva.
O Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico, em especial, parte de um con<CW-5>junto de premissas para a percepção dos impactos sócio-ambientais dos projetos em suas dimensões mais importantes, incorporando em suas análises conceitos de inserção regional dos empreendimentos, necessários à apreensão da magnitude das transformações sociais e econômicas que provocam.
A partir de meados dos anos 90, entretanto, e acompanhando o processo de liberalização da economia brasileira, essa trajetória de consolidação institucional começa a declinar, sobretudo com a crescente participação dos investimentos privados no Setor Elétrico.
A mudança no modelo do Setor Elétrico, introduzindo um forte componente de mercado na sua lógica de expansão, contribuiu para o processo de desfiguração crescente dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, com destaque para o Licenciamento Ambiental, eleito como o principal obstáculo ao livre desenvolvimento das atividades econômicas nesse novo cenário dominado pelos interesses privados.
Nesse novo cenário se acentuam as dificuldades para a implementação e execução das políticas públicas de meio ambiente, fortemente condicionadas pelos interesses da agenda empresarial, fazendo com que o embate entre meio ambiente e crescimento econômico se perca em uma agenda que aceita, no limite, a gestão dos processos dominada por uma lógica de mitigação e de compensações aos impactos sócio-ambientais, sem, contudo, significar uma reflexão crítica sobre a atividade econômica.
O que se presencia, de fato, e sustentada em retórica desenvolvimentista que não reconhece nos procedimentos institucionalizados do Licenciamento Ambiental outra condição que não aquela de "obstáculos" ao "crescimento", é a sua desfiguração com o abandono de seus princípios normativos e técnicos, reconfigurando-se em um "meio ambiente de resultados", que retira da questão ambiental sua centralidade no debate sobre o desenvolvimento e introduz uma agenda de "trocas ambientais" como compensação às intervenções dos projetos.
O exercício do Licenciamento Ambiental, nessa trajetória de desfiguração, será sempre ineficaz no atendimento às demandas porque não tem poder de concertação entre os interesses que se enfrentam no campo de disputa pelos recursos ambientais. Ele permanecerá moroso, burocrático e subjetivo na percepção dos investidores, assim como continuará incapaz de responder satisfatoriamente aos direitos das comunidades atingidas na manutenção de suas condições tradicionais de produção e reprodução sociais nos territórios requeridos para a realização econômica de um projeto que não necessariamente as beneficia.
O caso de Belo Monte servirá de última lição?
(*) Biólogo e mestre em Geografia pela UFMG
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