19 de maio de 2011

Confiram a 1ª Edição do Jornal A Margem:http://www.jornalamargem.com.br/. Leiam e comentem!

Confiram a 1ª Edição do Jornal A Margem: Leiam e comentem!

O presente Jornal A MARGEM ( Virtual e Impresso) representa a consolidação de um pensamento não amorfo no mundo acadêmico de Direito na UFPB. O trabalho concretizado demonstra uma perspectiva  aglutinadora e não sectária na ação/reflexão crítica multidimensional  do fenômeno jurídico e suas implicações econômicas, políticas, culturais, socais e surreais. 

A sustentabilidade do projeto é possível e eficaz, pois, está baseada em uma aposta no protagonismo dos/as seus/suas idealizadores/as e articuladores/as, assim como, na ampliação dos territórios que serão ocupados, visto que, estamos diante de um momento político-jurídico e social tão fértil quanto pantanoso, ( é mangue, é mangue, é mangue...) de toda sorte, mesmo que marginalizados, ou que seja, ainda bem que são marginais, periféricos, insubordinados e inovadores, parabéns a equipe, colaboradores/as e afins, tremam os cautos.    

Apenas para não deixar passar, recordei da minha primeira sensação de algo se move e por si só não se movia,  ainda graduando em direito recebi através da Renap uma sentença judicial de Minas Gerais (terra de Guimarães Rosa), onde o encontro do direito e da literatura, através de um  Magistrado e do resgate de um autor Paraibano (José Américo) estabelecia um novo paradigma em minha percepção de mundo: retroalimenta  as conquistas/lutas sociais e mudanças culturais o direito? Ou o direito é retroalimentado e por isso regurgita com pequenos espasmos um mundo que não compreende, nem aprisiona?

Até hoje não sei, mas hoje, vi/li mais um desses dias. Eduardo F.    

AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – PROCESSO Nº 95.0003154-0 AUTOR: DEPARTAMENTO NACIONAL DE ESTRADAS DE RODAGEM – DNER

RÉUS: ITAMAR PEREIRA DA COSTA E OUTROS - JUÍZO FEDERAL DA OITAVA VARA DE MINAS GERAIS

Vistos etc."Não tinham pressa em chegar, porque não sabiam aonde iam. Expulsos do seu paraíso por espadas de fogo, iam, ao acaso, em descaminhos, no arrastão dos maus fados. Não tinham sexo, nem idade, nem condição humana. Eram os retirantes. Nada mais."(JOSÉ AMÉRICO DA ALMEIDA, EM A BAGACEIRA)

Várias famílias (aproximadamente 300 – fl. 10) invadiram uma faixa de domínio ao lado da Rodovia BR 116, na altura do Km 405,3, lá construindo barracos de plástico preto, alguns de adobe, e agora o DNER quer expulsá-los do local.

"Os réus são indigentes", reconhece a autarquia, que pede reintegração liminar na posse do imóvel.

E aqui estou eu, com o destino de centenas de miseráveis nas mãos. São os excluídos de que nos fala a Campanha da Fraternidade deste ano.

Repito, isto não é ficção. É um processo. Não estou lendo Graciliano Ramos, José Lins do Rego ou José do Patrocínio.

Os personagens existem de fato. E incomodam muita gente, embora deles nem se saiba direito o nome. É Valdico, José Maria, Gilmar, João Leite (João Leite???). Só isso para identificá-los. Mais nada. Profissão, estado civil (CPC, art. 282, II) para quê, se indigentes já é qualificação bastante?

Ora, é muita inocência do DNER se pensa que eu vou desalojar este pessoal, com a ajuda da polícia, de seus moquiços, em nome de uma mal arrevesada segurança nas vias públicas. O autor esclarece que quer proteger a vida dos próprios invasores, sujeitos a atropelamento.

Grande opção! Livra-os da morte sob as rodas de uma carreta e arroja-os para a morte sob o relento e as forças da natureza.

Não seria pelo menos mais digno – e menos falaz – deixar que eles mesmos escolhessem a maneira de morrer, já que não lhes foi dado optar pela forma de vida?

O Município foge à responsabilidade "por falta de recursos e meios de acomodações" (fls. 16v.).

Daí, esta brilhante solução: aplicar a lei.

Só que, quando a lei regular as ações possessórias, mandando defenestrar os invasores (CPC, arts. 920 e seguintes), ela – COMO TODA LEI – tem em mira o homem comum, o cidadão médio, que, no caso, tendo outras opções de vida e de moradia diante de si, prefere assenhorar-se do que não é dele, por esperteza, conveniência, ou qualquer outro motivo que mereça a censura da lei e, sobretudo, repugne a consciência e o sentido do justo que os seres da mesma espécie possuem.

Mas este não é o caso no presente processo. Não estamos diante de pessoas comuns, que tivessem recebido do Poder Público razoáveis oportunidades de trabalho e de sobrevivência dignas (v. fotografias).

Não. Os "invasores" (propositalmente entre aspas) definitivamente não são pessoas comuns, como não são milhares de outras que "habitam" as pontes, viadutos e até redes de esgoto de nossas cidades. São párias da sociedade (hoje chamados de excluídos, ontem de descamisados), resultado de perverso modelo econômico adotado pelo país.

Contra este exército de excluídos, o Estado (aqui, através do DNER) não pode exigir a rigorosa aplicação da lei (no caso, reintegração de posse), enquanto ele próprio – o Estado – não se desincumbir, pelo menos razoavelmente, da tarefa que lhes reservou a Lei Maior.

Ou seja, enquanto não construir – ou pelo menos esboçar – "uma sociedade livre, justa e solidária" (CF, art. 3º, I), erradicando "a pobreza e a marginalização" (nº III), promovendo "a dignidade da pessoa humana" (art. 1º, III), assegurando "a todos existência digna, conforme os ditames da Justiça Social" (art. 170), "emprestando à propriedade sua função social" (art. 5º, XXIII, e 170, III), dando à família, base da sociedade, "especial proteção" (art. 226), e colocando a criança e o adolescente "a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, maldade e opressão" (art. 227), enquanto não fizer isso, elevando os marginalizados à condição de cidadãos comuns, pessoas normais, aptas a exercerem sua cidadania, o Estado não tem autoridade para deles exigir – diretamente ou pelo braço da Justiça – o reto cumprimento da lei.

Num dos braços a Justiça empunha a espada, é verdade, o que serviu de estímulo a que o Estado viesse hoje pedir a reintegração. Só que, no outro, ela sustenta a balança, em que pesa o direito. E as duas – lembrou RUDOLF VON IHERING há mais de 200 anos – hão de trabalhar em harmonia: "A espada sem a balança é força bruta; a balança sem a espada é a impotência do direito. Uma não pode avançar sem a outra, nem haverá ordem jurídica perfeita sem que a energia com que a justiça aplica a espada seja igual à habilidade com que maneja a balança".

Não é demais observar que o compromisso do Estado para com o cidadão funda-se em princípios, que têm matriz constitucional. Verdadeiros dogmas, de cuja fiel observância dependem a eficácia e a exigibilidade das leis menores.

Se assim é – vou repetir o raciocínio -, enquanto o Estado não cumprir a sua parte (e não é por falta de tributos que deixará de fazê-lo), dando ao cidadão condições de cumprir a lei, feita para o homem comum, não pode de forma alguma exigir que ela seja observada, muito menos pelo homem "incomum".

Mais do que deslealdade, trata-se de pretensão moral e juridicamente impossível, a conduzir – quando feita perante o Judiciário – ao indeferimento da inicial e extinção do processo, o que ora decreto nos moldes dos arts. 267, I e VI, 295, I, e parágrafo único, III, do CPC, atento à recomendação do art. 5º da LICCB e olhos postos no art. 25 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que proclama:"Todo ser humano tem direito a um nível de vida adequado, que lhe assegure, assim como à sua família, a salde e o bem-estar e, em especial, a alimentação, o vestuário e a moradia."

Quanto ao risco de acidentes na área, parece-me oportuno que o DNER sinalize convenientemente a rodovia nas imediações. Devendo ainda exercer um policiamento preventivo a fim de evitar novas "invasões".

P.R.I.

Belo Horizonte, 3 de março de 1995.

ANTONIO FRANCISCO PEREIRA
Juiz Federal da 8ª Vara


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