5 de setembro de 2011

Entrevista Ministra Maria do Rosário - Carta Capital - Programas de Proteção


http://www.cartacapital.com.br/destaques_carta_capital/nao-podemos-esperar-dez-anos-por-um-julgamento

Não podemos esperar dez anos por um julgamento'
Gabriel Bonis 4 de setembro de 2011 às 8:54h

Em entrevista a CartaCapital, a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, anuncia a consolidação de um sistema nacional de proteção a testemunhas com orçamento maior e a sanção da lei que agilizará os processos de crimes no campo. Foto: Elza Fiuza/ABr

Com um tom incisivo, a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário Nunes (PT-RS), pontua que o Brasil não pode mais conviver com a impunidade. "Precisamos debelar os grupos criminosos, a pistolagem e as milícias", diz, em entrevista por telefone a CartaCapital, na sexta-feira 2, dias após o assassinato de outra liderança em assentamento na região de Marabá, no Pará – estado onde 621 pessoas foram mortas em conflitos no campo desde 1985. Durante a conversa, a ministra adiantou exclusivamente novidades no programa de proteção  a testemunhas do País. Ela falou também sobre a atuação da Justiça no combate aos crimes no campo e sobre as dificuldades dos órgãos federais em dar apoio às polícias no estado sem que isso seja interpretado como ingerência. "Não estamos diante de uma intervenção federal no estado do Pará", diz.

A primeira mudança anunciada pela ministra é a unificação destes programas a partir de 2012, consolidando um sistema nacional com o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), o Provita, e o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. "Isso amplia a nossa capacidade de atuação e cria melhores condições de investirmos, sobretudo na parte operacional e na proteção efetiva".

O orçamento da inciativa também aumentou, passando de 30 milhões de reais para 36 milhões de reais a partir do próximo ano, permitindo a inserção de mais indivíduos ameaçados, 125 ao todo no Brasil, segundo a Comissão Pastoral da Terra, órgão ligado à Igreja Católica, na lista de proteção.

Outra novidade é  a adesão de mais estados ao programa de defensores dos Direitos Humanos. Pará, Espírito Santo, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul agora recebem a companhia de Rondônia, Amazonas, Acre, Maranhão e Mato Grosso.

Rosário também revelou um panorama da Operação Defesa da Vida, lançada no Amazonas, Pará e Rondônia pelo governo federal após o assassinato dos extrativistas José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo em Nova Ipixuna, há três meses.

Durante a vigência da força-tarefa, que visa agilizar os processos envolvendo mortes em assentamentos, além de contar com o apoio da Força Nacional para conter a violência no campo, líderes camponeses continuam a ser ameaçados e há registros de novos assassinatos. "Sem a operação talvez tivéssemos muito mais mortes no Norte do País", afirma, completando que o governo federal é movido "por uma verdadeira cruzada por uma presença maior do Estado na região amazônica" para solucionar esses problemas.

A ministra ainda destaca a aprovação no Congresso do Projeto de Lei 086/2007, que deve ser sancionado nos próximos dias pela presidenta Dilma Rousseff. A medida agiliza o julgamento de casos em que figurem testemunhas e vítimas e pessoas protegidas pelos programas federais, dando prioridade a esses processos.

"Não podemos ter dez anos de morosidade no poder Judicial diante de casos de extermínio de trabalhadores, até porque os mesmos que mataram a irmã Dorothy, a mesma rede de assassinos, continua operante em relação a outros".

Maria do Rosário também aborda a relutância do Pará em aceitar o apoio federal na Operação Defesa da Vida e decreta: a impunidade mina os recursos dos programas de proteção a testemunhas.

Acompanhe a íntegra da entrevista:

CartaCapital – Os programas de proteção as testemunhas do governo possuem orçamentos modestos. O Provita, por exemplo, tem a disposição apenas 14 milhões de reais de orçamento e o Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, dois milhões. Para o próximo ano há alguma novidade nesse sentido?

Mario do Rosário Nunes– Tivemos algumas mudanças na estrutura do orçamento e uma ampliação de valores nos três programas de proteção a pessoas ameaçadas para 2012. Atualmente, ao valor destinado a eles é de 30 milhões de reais, mas para o próximo ano conseguimos 20% de incremento e chegaremos a 36 milhões de reais nos três programas. Além disso, temos a consolidação de um sistema nacional, em que os três programas estarão interligados dialogando, o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), o Provita e o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. É um valor para os três, o maior que já tivemos em termos orçamentais. Esse valor é considerável em termos de programas de um ano para o outro. É a primeira vez que haverá uma ação especifica, inclusive no PPA (Plano Plurianual) 2012-2015, para a proteção de pessoas ameaçadas. O PPA passa a reconhecer a existência de uma ação, o sistema nacional de proteção as pessoas ameaçadas, que inclui os três programas.

Enterro de José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo reuniu cerca de mil pessoas em Marabá. Foto: Rodolfo Oliveira/Agência Pará

CC – Mesmo com esse aumento, a demanda é muito alta para a segurança e proteção de pessoas ameaçadas no Brasil. Segundo uma lista de 2010 da CPT, há 125 pessoas nessa condição no País, 30 delas somente no Pará. Como a senhora avalia o funcionamento desses programas? De que forma podem ser melhorados?

MRN – Os programas até hoje têm resultados muito positivos, mas temos que separar o que significa política de segurança pública de política de proteção. A última é uma política especial, que demanda um programa especializado, e o que temos no Pará é uma necessidade mais ampla da presença do Estado e por isso temos agido muito como governo federal. Temos um balanço da Operação Defesa da Vida, que se constituiu voltada aos estados do Pará, Amazonas e Rondônia, no enfrentamento à violência no campo e apoio a investigação. É um balanço de ações não apenas de incremento de proteção, mas especialmente para criar projetos naquelas comunidades da federação. A Força Nacional tem tido uma tarefa importantíssima para apoiar os estados a enfrentar as ameaças, mas o governo federal não poderá substituir as políticas estaduais, porque não estamos diante de uma intervenção federal no estado do Pará. Estamos nos colocando disponíveis a apoiar inclusive as dificuldades da policia daquele estado e conseguir desenvolver a contento os inquéritos policiais.

CC – De que forma isso está sendo feito?

MRN – O ministro José Eduardo Cardozo posicionou a Força Nacional de um lado no policiamento ostensivo, mas de outro lado também há a reabertura e ampliação das condições nos inquéritos. E ainda assim temos tido grande dificuldade, estamos implementando o programa de defensores também em Rondônia e no Amazonas e temos o programa implantado no Pará. Acreditamos que essa situação de impunidade é o que move a continuidade das ameaças. Para isso é que cobramos e estamos disponíveis a apoiar os estados da federação, debele os grupos criminosos.

CC – A senhora mencionou dois novos estados que estão participando do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. Existe mais algum outro em adesão?

Maria do Rosário anuncia aumento no orçamento dos programas de proteção a testemunha. Foto: Wilson Dias/Abr

MRN – Esses dois estados fizeram a adesão no contesto da missão da Operação Defesa da Vida. Temos metas para o próximo ano de chegarmos a mais cinco estados da nação. Atualmente temos nesse programa Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Pernambuco, Pará e está sendo implantado no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Ceará e também em Rondônia e Amazonas. Ainda nesse ano, abrimos caminho para a implantação nos estados do Acre, Maranhão e Mato Grosso. Agora, até o final do ano devemos ficar com 13 estados, praticamente o dobro do que temos agora. No entanto, o nosso programa jamais será substitutivo de políticas de segurança. Os nossos programas são especializados no caso de testemunhas, vítimas e defensores dos Direitos Humanos, e aí nem todos os defensores estão no programa porque é um programa movido pela solicitação da sociedade civil. Só se move uma política de proteção em direção a essas pessoas quando há uma solicitação e a aceitação de proteção pelo interessado. Já tivemos casos de pessoas que não querem estar no programa, porque ele acaba sendo restritivo à mobilidade.

CC – E quanto à espera para ser incluindo nesses programas?

MRN – Não existe lista de espera, qualquer demanda que chega oficialmente, seja da sociedade civil ou da própria pessoa ameaçada, é analisada por um conselho de entidades da sociedade civil. Há um manual de procedimentos dos programas e uma equipe técnica para a triagem. Então não temos lista de espera, porque estamos tratando com vidas e nem poderíamos ter, e não há demanda reprimida. Há diferentes possibilidades de ingresso no programa, desde pessoas que têm monitoramento do seu cotidiano, pessoas retiradas de seus estados e outras que têm escolta. Nem todo o programa é baseado exclusivamente em escolta, esta demanda uma estrutura grande que nos casos necessários está disponível. Porém, com o Ministério da Justiça e com as polícias estaduais, temos trabalhado para que cada ingresso de uma pessoa no programa também mova uma investigação sobre a origem das ameaças. O nosso objetivo central é debelar os grupos criminosos, pois o que alimenta a pistolagem é a impunidade. O Brasil não pode conviver com a pistolagem, milícias e grupos de extermínio. Por isso, todas as informações que colhemos, de forma restrita, dentro dos programas orientam a investigação das autoridades federais e estaduais para que sejam debelados os grupos criminais. Estou muito convicta de que se realmente punirmos os grupos criminosos, inclusive os que estão dentro das estruturas dos estados, das policias e Judiciário, vamos salvar vidas.

No Pará, Polícia não conta com efetivo para proteger pessoas ameaçadas em área de conflito, como o casal extrativista morto há 3 meses em assentamento do estado. Foto: AFP

CartaCapital – A Operação Defesa da Vida, lançada pelo governo federal após a morte dos extrativistas em Nova Ipixuna, no Pará, é focada na eliminação da impunidade. Porém, as ameaças e assassinatos continuam na região em que esta atua. No Pará, por exemplo, somente em 2011 seis líderes camponeses foram assassinados. Essa operação foi insuficiente?

MRN – Se a operação não tivesse tido o encaminhamento positivo talvez tivéssemos muito mais mortes no Norte do País. Na Secretária de Direitos Humanos e no governo federal somos movidos por uma verdadeira cruzada por uma presença maior do Estado na região amazônica de um modo geral. Essas pessoas assassinadas não fazem parte dos nossos programas federais de proteção, mas isso não diminui a responsabilidade que temos com os brasileiros da região. Desde o inicio da operação, a coordenação nacional do programa de defensores incluiu 61 novos participantes do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos nos três estados onde a operação está: 39 no Amazonas, um em Rondônia e 21 no Pará. Agora eles estão sendo monitorados por equipes técnicas, recebem visitas periodicamente e alguns deles têm medidas protetivas. Aprovamos também no Congresso Nacional o Projeto de Lei 086/2007 que deve ser sancionado nos próximos dias pela presidenta Dilma Rousseff. Ele estabelece a celeridade processual nas ações judiciais para os casos em que figurem testemunhas e vítimas e pessoas protegidas pelos programas federais. Isso será muito importante, porque haverá por parte do Poder Judiciário a necessidade também de celeridade nos processos judiciais. Não podemos ter dez anos de morosidade no poder Judicial diante de casos de extermínio de trabalhadores, até porque os mesmos que mataram a irmã Dorothy, a mesma rede de assassinos, continua operante em relação a outros. Um dos envolvidos inclusive teve adiado recentemente o julgamento. Isso é parte da impunidade. Essas figuras envolvidas na morte, como o povo mais humilde do interior do País diz, têm as "costas quentes" e acabam contando com a leniência do poder Judiciário e antes disso, por parte dos investigadores. Por isso, também defendo a federalização dos crimes e acredito que isso é importante. Mas mantivemos até os dias atuais a confiança de que o estado do Pará tenha condições de desenvolver a contento essas investigações.

CC – Essa legislação vai agilizar os processos, mas de que forma?

MRN – A administração se dá dentro das funções judiciais, então é uma solenidade processual, que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deverá inclusive fiscalizar colocando o processo a frente de outros, justamente pela importância. Porque esses crimes não são movidos por uma indisposição pontual, mas pela existência de grupos de extermínio. Queremos que essa medida possa dar resultado coletivo e seja importante para o esclarecimento de outros crimes.

CC – Os programas de proteção a testemunha brasileiros têm um limite de participantes?

MRN – Não temos um limite na normativa do programa, mas posso afirmar que existem limites. Seria falso não dizermos que, se continuarmos com a impunidade, chegaremos rapidamente aos nossos limites. Programas, principalmente o dos defensores, que visam reforçar aqueles que lutam pelas comunidades onde existe a luta, nas comunidades quilombolas e indígenas, não dependem somente do Executivo. Estamos ampliando o orçamento, gerenciando políticas em parceria com a sociedade civil, buscando a responsabilidade do Estado, mas a superação dos limites de um programa como esse está inclusive, e principalmente, atrelada a capacidade das polícias investigarem adequadamente os crimes e do Judiciário em responsabilizar os responsáveis. Não pode haver mais impunidade.

CC – Um dos lemas da Operação Defesa da Vida é "acabar com a impunidade", mas até o momento, no Pará, os casos dos seis líderes camponeses mortos no Pará não têm suspeitos presos. Como é possível cobrar uma postura mais incisiva da Justiça sem interferir no Judiciário?

MRN – A nossa operação tem sido acompanhada pelo CNJ e também pelo Ministério Público Federal e o Ministério da Justiça. O ministro José Eduardo Cardozo conseguiu resultados muito produtivos em Alagoas contra o enfrentamento histórico da impunidade justamente com a presença da Força Nacional no apoio às investigações. A partir da parceria entre União e o governo daquele estado, tivemos resultados que reabriram inquéritos parados, impunes, sem provas, mal instruídos e recolocaram os mesmos em condições de chegar a processos judiciais adequados. No Pará, estamos fazendo um grande esforço nesse sentido, mas não se trata de uma intervenção. Há uma federação no País e o governo federal, diante das atribuições dos estados, se ocupou de, diante das Justiças, policias, governadores e tribunais estaduais, estender o seu apoio técnico e operacional. Acredito que o governo do estado do Pará não pode perder a oportunidade de ter todo esse aporte de recursos e apoio que o Ministério da Justiça e o governo federal estão disponibilizando. Estamos tendo atrasos em relação a isso, mas porque há resistências nas corporações, na policia do Pará, no Poder Judiciário do Pará, que se tivesse uma abertura maior diante do oferecimento das autoridades federais, já poderia estar em um novo patamar.

CC – Como é essa situação no Pará?

MRN – Gostaríamos de estar mais avançados do que estamos em relação ao Pará, mas todas as nossas iniciativas em direção ao estado têm que ser pactuadas com as autoridades locais. Se de um lado conseguimos colocar em dia os três convênios da Secretaria de Direitos Humanos com o Pará, até o momento não conquistamos uma parceria mais efetiva que as autoridades de Justiça buscam em relação ao estado. Existem resistências que devem ser superadas, até porque o governo federal jamais atuou com uma visão de intervenção. Por isso, temos que ter esse trabalho de parceria, mas temos enfrentado algumas dificuldades sérias. Muitas vezes diante das autoridades encontramos essas resistências para uma atuação mais direta das autoridades federais.

CC - O ministério da Justiça reativou a Operação Arco de Fogo para ajudar no enfrentamento aos crimes no campo e também combater a extração ilegal de madeira, um problema que está na raiz das ameaças e assassinatos no campo. Como a Secretária Especial de Direitos Humanos (SDH) lida com essa relação entre as questões ambientais e as ameaças?

MRN – Temos uma direta integração com o Ministério da Justiça, não apenas para operações pontuais, mas para uma presença maior do governo federal na região, o Brasil sem Miséria é um exemplo disso. A nossa presença por meio das ações também coordenadas pela Secretaria-geral do Desenvolvimento Agrário, Ministério do Meio Ambiente, Ibama e Polícia Federal são todas concatenadas e articuladas. O Governo Federal tem olhos muito abertos para a região Norte do País, até porque sabemos que quanto mais apertamos do ponto de vista ambiental o cerco à exploração ilegal de madeira e trabalhamos questões ligadas a terra, mais e mais temos a presença de grupos ameaçadores de direitos humanos.

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