Novo mecanismo de prevenção e combate à tortura
Lourdes Vieira Ferreira
Assessora técnica da Secretaria da Justiça e Cidadania e membro do Comitê Estadual de Combate à Tortura
Talvez ainda por não termos todos os fatos que ocorreram durante a ditadura militar esclarecidos,os casos de tortura mais denunciados ainda ocorrem quando a pessoa está sob a custódia estatal, tais como unidades penitenciárias, delegacias, centros educacionais entre outros. Com o objetivo de erradicar e prevenir essa prática, no último dia 6, o Comitê de Prevenção e Combate à Tortura foi instalado no âmbito da Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado do Ceará (Sejus) com a prerrogativa de realizar o monitoramento nessas unidades, a partir da realização de visitas regulares e não anunciadas.
Com isso, o comitê já nasce com relativa independência e com um grande desafio: criar no Estado do Ceará um mecanismo de prevenção e combate à tortura, nos termos do Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, ratificado pelo Estado Brasileiro através do Decreto Nº 6.085, de 19 de abril de 2007.
De acordo com o protocolo, a criação de mecanismos nacionais e internacionais independentes tem o objetivo de prevenir a ocorrência da tortura a partir de um modelo elaborado de acordo com sua própria realidade, tendo algumas garantias estabelecidas no seu artigo 18, tais como independência funcional, capacidades e conhecimentos profissionais necessários e recursos apropriados.
Dessa forma, com o acesso às unidades, às informações e com o poder de emitir recomendações, o Comitê de Combate à Tortura, assim como o futuro mecanismo de prevenção, despontam como a esperança última de termos um Estado sem a prática de tortura, principalmente por agentes estatais.
Além desse monitoramento, é importante que o Comitê discuta e o mecanismo objetive combater também as causas estruturais que fazem com que os autores cometam esses crimes. Afinal, quantos jovens negros são exterminados diariamente? Quantas travestis são torturadas e humilhadas nas delegacias e penitenciárias? Quantas profissionais do sexo são espancadas? Quantas pessoas em situação de rua não foram queimadas? Quantas famílias são diariamente despejadas violentamente dos seus lares?
Tendo a dimensão que o olhar do torturador também é discriminatório, o desafio desse comitê é ainda maior e vai muito além do monitoramento das unidades de privação de liberdade, pois precisamos caminhar urgentemente para uma mudança de valores, respeitando as pessoas, independentemente da raça, do gênero, da orientação sexual ou da condição de moradia.
Comitê estadual, desafios e perspectivas para o Ceará
Nadja Furtado Bortolotti
Assessora jurídica do (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente) Cedeca e representante do Comitê Estadual de Combate à Tortura
Foi implantado o Comitê Estadual de Combate à Tortura, formado por órgãos governamentais do Executivo, Legislativo e Judiciário e organizações da sociedade civil. Este é o primeiro passo para a adesão doCeará no Plano de Ações Integradas para a Prevenção e Controle da Tortura no Brasil que é parte dos compromissos que o País assumiu ao aderir a Convenção da ONU contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. A importância de tal ato reside no reconhecimento da existência de tortura no nosso Estado, sendo este requisito para seu enfrentamento. É importante pela institucionalização de um espaço com a finalidade de enfrentar tal fenômeno e por articular instituições que tem dentre as suas atribuições as de investigar, processar e julgar atos de tortura e ainda a presença de representantes da sociedade civil.
Os desafios desse comitê são da dimensão desse fenômeno. A violência institucional, provocada por agentes do Estado, tem raízes profundas na história do País. Os locais de privação de liberdade, sejam os presídios para a população adulta, sejam chamados centros "educacionais" destinados aos adolescentes e, ainda, as unidades de internação clínica para pessoas com sofrimento mental são frequentemente alvos de denúncias de violência e as próprias condições de encarceramento são por si violadoras de direitos fundamentais. A proximidade da Copa do Mundo e suas políticas de "limpeza social" e a supremacia do interesse privado sobre o público, numa total inversão de valores e prioridades, nos dá sinais de que um contexto mais desafiador se aproxima.
Uma mudança cultural em relação ao crime de tortura é uma das questões centrais a serem trabalhadas pelo comitê. Apesar da lei 9.455/97, conhecida como a lei da tortura, já ter quase 15 anos de vigência, o que se observa no trato com esse tipo de violência é a sua caracterização como o crime de lesão corporal. Isso ocorre quando a vítima desses crimes é acusada de outras condutas criminosas. Estabelece-se a dicotomia cidadão e bandido e legitima-se a tortura.
São ainda desafios: a garantia de segurança para vítimas e testemunhas, o que vem dificultando em muito a denúncia desse tipo de crime, e a precariedade de dados estatísticos. Nesse sentido, serão fundamentais: uma atuação autônoma e independente, a articulação institucional entre os próprios integrantes do comitê e a disponibilidade de condições de estrutura e funcionamento. O horizonte institucional é um comitê criado por lei e um mecanismo de combate à tortura. Acreditamos que a implantação deste Comitê contribuirá para superarmos tais desafios.
***Este artigo foi produzido em parceria com Talita de Araújo Maciel, assessora jurídica do Cedeca e representante do Comitê Estadual de Combate à Tortura.
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