22 de fevereiro de 2012

EMENTA: HOMOFOBIA. DISCRIMINAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.


PROCESSO TRT/SP NO: 0000524-02.2011.5.02.0302
 
 
 
 
 
 
EMENTA: HOMOFOBIA. DISCRIMINAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. Para efeito de cumprimento das cláusulas ou produtividade no contrato de trabalho é absolutamente irrelevante a orientação sexual adotada pelo empregado, vez que se trata de questão estritamente relacionada à sua intimidade. Nada obstante, in casu, a chefia adotou como forma de ofensa e constrangimento, além de epítetos depreciativos ("tranqueira", "vagabunda"), denúncia perante os colegas, de uma suposta relação homoafetiva da autora com outra companheira, elegendo-a como causa da falta de produtividade ou qualidade dos serviços. A prática revela uma das mais retrógradas e repugnantes formas de discriminação, qual seja, o preconceito quanto à orientação sexual do ser humano. A histeria homofóbica e a hipocrisia explicam o incipiente estágio de conquistas na esfera legislativa e a demora na efetivação de um dos fundamentos da República Federativa do Brasil: a dignidade do ser humano, independentemente da forma como cada um expresse a sua sexualidade. O Judiciário tem se posicionado de forma vanguardista contra o conservadorismo e a ortodoxia, ao assegurar igualdade substantiva ao segmento perseguido e hostilizado que assume orientação sexual diversa do "padrão modelar" , garantindo o direito à convivência, à formação da família e à união civil homoafetiva, cumprindo a promessa constitucional de igualdade e de organização da sociedade com vistas à felicidade. É o que se extrai do recente julgamento do E. STF, na ADIn 4277 e ADPF n.º 132. Destaca-se que dentre as diversas práticas atentatórias à integridade moral dos trabalhadores encontra-se adiscriminação, seja por motivo de raça, credo, origem e sexo. Inegável, outrossim, que o grupo social identificado pela sigla LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) segue sofrendo agressões na sociedade e nos locais de trabalho, sob diversas formas (moral, social, religiosa, física etc), sendo o Brasil um dos primeiros no triste ranking mundial de assassinatos por homofobia (pesquisadores apontam que a cada 03 dias, 01 pessoa é vitimada em decorrência da sua orientação sexual, sob o silêncio cínico e a omissão do poder público). No caso, restou caracterizado o atentado à dignidade da trabalhadora, que se viu humilhada com ofensas e atingida em sua intimidade e vida privada (art. 5º, X, CF), malferindo o empregador, por prepostos, os princípios da igualdade (art. 5º,caput) e da dignidade humana (art. 1º, III, CF), práticas estas intoleráveis numa sociedade que se alça a um novo patamar civilizatório. Por tais razões deve ser majorada a indenização por dano moral.
Contra a r. decisão de f. 109/114, que julgou PARCIALMENTE PROCEDENTE a reclamação, recorre ordinariamente ambas as partes.
A reclamada (f. 120/33) sustenta basicamente: 1) inexistir vínculo empregatício entre 17.09.2010 a 02.01.2011, alegando que a autora laborava como autônoma; sucessivamente, alega não ser devido no período o PLR, vale-transporte e vale-refeição; 2)a exclusão da condenação da retificação da CTPS e expedição de alvará de levantamento antes do trânsito em julgado; 3) exclusão da indenização por danos morais ou, sucessivamente, minoração do valor arbitrado na origem.; d) reforma no que tange a determinação de que seja operada a hipoteca judiciária; 4) a não expedição de ofício aos órgãos/ entidades competentes, pois não houve irregularidades.
Adesivamente, a autora requer (f. 146/50): 1) o pagamento de horas extras; 2) a majoração do valor da indenização por assédio moral.
Contrarrazões às f. 139/145 (reclamante) e f. 153/8 (ré).
É o relatório.
V O T O
Conheço os recursos por presentes os pressupostos de admissibilidade. Por imperativo lógico e cronológico, aprecio primeiramente o recurso da ré, sendo que no tocante à condenação ao pagamento de indenização por dano moral, apreciarei conjuntamente ambos os recursos.
RECURSO DA RECLAMADA.
DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO.
A ré pleiteia a reforma da r. decisão a quo no tocante ao vínculo empregatício e suas conseqüências.
Não assiste razão à recorrente.
A reclamante sustenta ter trabalhado para a reclamada no período de 19.09.10 a 03.01.11, como vendedora, sem a anotação do contrato em sua carteira de trabalho, tampouco o pagamento dos títulos inerentes, tais como férias e FGTS, entre outros. Somente após esta data, afirma ter sido registrada.
Opondo-se ao liame empregatício, sustentou a reclamada, em contestação (f. 81), que: (...) Não há como ser acolhida a pretensão da autora, eis que durante o período de setembro de 2010 a janeiro de 2011 esta prestou serviços para reclamada na condição de autônoma e não de empregada, restando, desde já, impugnadas todas as falaciosas alegações constantes da exordial.
A recorrente reconheceu, em defesa, a prestação de serviços pela reclamante, alegando, como fato desconstitutivo do pedido da autora, que se tratava de trabalho autônomo, sem qualquer subordinação. Desse modo, carreou para si oonus probandi (artigo 818, CLT, c/c, artigo 333, inciso II, do CPC), não se desincumbindo de tal ônus.
Precisamente, endereçou-se à empresa o encargo probatório de que a atividade laboral da reclamante era esporádica, não comportando as características exigidas pelo art. 3º da CLT, e que não guardava correlação com a atividade ordinariamente encetada pela empresa, não lhe era essencial, contínua, subordinada, dependente, onerosa, bilateral, comutativa, sendo que não produziu qualquer prova, fato, que por si só, já respalda o pleito da prefacial.
Nesse sentido é o posicionamento desta Turma:
Vínculo de Emprego. Ônus da prova. Reconhecida a prestação de serviços, mas negada a existência de vínculo de emprego, o ônus da prova é do empregador, por se tratar de fato impeditivo à aquisição do direito. Acórdão n.: 20020393983, Processo n.: 20010346494, 4ª Turma, Recorrente(s): João Batista Henrique do Nascimento, Recorrido(s): José Divino Ferreira Cruz Cabeleireiros, Data de julgamento: 11/06/2002, Juiz Relator: Sergio Winnik , Juiz Revisor: Paulo Augusto Câmara, Data de publicação: 21/06/2002.
Com efeito, não produziu a empresa-ré qualquer prova de que havia efetiva diferença entre o labor da demandante antes do registro na CTPS (19.09.10 a 03.01.11) e após (04.01.2011 até a demissão), sendo que a testemunha trazida pela recorrida (Sra. Lucineide) não se recordou da data da contratação da autora.
A relação de emprego compõe-se das figuras do empregador e empregado, tal como definidas nos artigos 2º e 3º, ambos da Consolidação das Leis do Trabalho, observados os pressupostos ali insertos.
Assim, a existência do liame de emprego independe da vontade ou interpretação negocial do prestador ou credor dos serviços, mas do conjunto de atos-fatos por eles desenvolvidos em razão daquela prestação. Em suma, o vínculo emerge da realidade fática do desenvolvimento da atividade laboral, e não do nomen juris ou revestimento formal dado pelas partes à relação.
Considera-se empregador, a pessoa física ou jurídica que exerça atividade econômica ou a exploração de um negócio e que para a realização desses fins, contrate, assalarie e comande a prestação pessoal de serviços. É o que emerge do artigo 2º, da CLT.
Desse modo, a subordinação do reclamante também aflora do próprio engajamento à estrutura da reclamada e da execução de misteres peculiares à atividade-fim da empresa, que implicava sujeição às rotinas por ela estabelecida e, ainda, ao recebimento de ordens emanadas do Sr. Artur, consoante a prova oral produzida.
Incompatível assim, a versão da defesa, no cotejo com a realidade fática informada pela prova dos autos.
O relacionamento entre as partes revela o aspecto subjetivo (animus contrahendi), a pessoalidade (relação intuitu personae), aliado aos elementos da permanência e habitualidade na prestação de serviços em prol da reclamada.
Restando presentes na relação encetada entre as partes os requisitos da vinculação empregatícia, contidos nos artigos 2º e 3º consolidados, notadamente a pessoalidade, continuidade, permanência, onerosidade, e a subordinação jurídica e hierárquica que se verifica em face do engajamento, é de se reconhecer o liame empregatício.
Por fim, analiso os pedidos subsidiários do recurso: 1 – quanto ao PLR, vale-transporte e vale-refeição do período não registrado, não subsiste igualmente o pedido da empregadora, vez que tais pleitos estão vinculados ao pedido principal. Logo, sendo devido o principal (reconhecimento de vínculo do período 19.09.10 a 03.01.11), são devidos os acessórios acima; 2 – quanto à retificação imediata da CTPS da obreira, bem como emissão de alvará para levantamento do seguro-desemprego, independente do trânsito em julgado, igualmente não merece reforma a decisão de piso. Destaca-se que tal matéria já foi abordada na cautelar apresentada pela reclamada (n.º 0039400-59.2011.5.02.0000), não havendo, de fato, qualquer interesse processual da demandada nos pedidos, uma vez que sua procedência não implica prejuízos à ré.
Mantenho.
DA EXPEDIÇÃO DOS OFÍCIOS.
A reclamada requer a não expedição dos ofícios à DRT, INSS, CEF e MPT.
Sem razão.
Sobre este tópico, irrepreensível a sentença de 1ª grau.
O artigo 631 da CLT aduz:
Qualquer funcionário público federal, estadual ou municipal, ou representante legal de associação sindical, poderá comunicar à autoridade competente do Ministério do Trabalho as infrações que verificar.
Parágrafo único - De posse dessa comunicação, a autoridade competente procederá desde logo às necessárias diligências, lavrando os autos de que haja mister.
Apesar do termo "poderá", entendo que não se trata de mera liberalidade ou faculdade do magistrado a notificação do Ministério do Trabalho sobre as irregularidades de que tenha ciência. É na verdade, poder-dever, uma vez que sua omissão dificulta a fiscalização das relações do trabalho pelos órgãos competentes, e a notícia a outras autoridades tem por eeito a coibição in locoda repetição de práticas ilegais como as referidas nos autos.
De maneira geral, o trabalhador só apresenta reclamação trabalhista após o término da relação de trabalho. Neste interregno, uma fiscalização efetiva pode evitar diversos prejuízos aos obreiros, que vão desde a possibilidade de usufruir plenamente dos direitos trabalhistas até a coibição de práticas tendentes a produzir danos a saúde do empregado.
Com efeito, ao tomar conhecimento de qualquer irregularidade e/ou ilegalidade, cumpre ao Juiz a tomada das providências necessárias ou informar aos órgãos competentes para tanto. Trata-se de dever que incumbe a qualquer autoridade ao tomar conhecimento de irregularidades e/ou ilegalidades, no exercício das funções, sujeitando-a, inclusive, às penalidades da lei.
Neste contexto, imprescindível a expedição de ofícios às autoridades competentes, seja a requerimento da parte, seja ex officio, não havendo que se falar em incompetência para tal determinação.
Mantenho.
HIPOTECA JUDICIÁRIA.
A ré requer a reforma da decisão genuína no tocante à determinação de hipoteca judiciária para garantia de pagamento das verbas da condenação, já que se trata de decisão extra petita, bem como descabida por ser empresa totalmente solvente, não havendo qualquer indício de problema financeiro a motivar a medida preventiva de hipoteca judicial.
Não assiste razão a empresa-ré.
Com efeito, não há que se alegar a impossibilidade de aplicação do art. 466 do CPC. Transcreve-se, abaixo, referido artigo:
Art. 466. A sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou em coisa, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos.
Parágrafo único. A sentença condenatória produz a hipoteca judiciária:
I - embora a condenação seja genérica;
II - pendente arresto de bens do devedor;
III - ainda quando o credor possa promover a execução provisória da sentença.
Deste modo, percebe-se que há um efeito secundário da sentença condenatória: a constituição da hipoteca judiciária. Busca-se, assim, evitar a dilapidação dos bens e garantir à efetiva execução futura. Apesar de pouco utilizada nos Tribunais Trabalhistas, a medida é aplicável ao processo do trabalho, de acordo com o art. 769 da CLT que remete por subsidiariedade, ao art. 466 do CPC, e leva em conta a natureza salarial das verbas objeto da condenação. Com a medida, constitui-se um ônus real, garantindo ao credor a satisfação do seu crédito.
Outorga-se, assim, a faculdade de o credor indicar ao Juízo o imóvel que entenda cabível para que haja expedição de mandado de inscrição no registro competente. Com a oneração, constitui-se uma garantia real, assegurando ao credor a satisfação futura de seu crédito trabalhista.
Ora, esta medida é oportuna e adequada nesta Justiça especializada, haja vista a predominância de lides que têm por objeto verbas de natureza alimentar, garantindo-se, assim, meios eficazes para execução. Procura-se, assim, afastar o "ganha, mas não leva", ainda infelizmente presente nesta Justiça Especializada. Ademais, evita-se a fraude à execução, resguardando-se, ainda, o comprador de boa-fé.
Destaca-se jurisprudência dominante sobre o assunto no C. TST:
-(...) HIPOTECA JUDICIÁRIA. A hipoteca judiciária é consectária da condenação a dinheiro ou coisa, consoante artigo 466 do CPC, sendo perfeitamente aplicável ao processo do trabalho, a teor do art. 769 da CLT. Precedentes. Recurso de revista não conhecido. (...)- (RR-69000-73.2009.5.03.0031, Rel. Min. Dora Maria da Costa, 8ª T., DEJT 1º/7/2011)
-(...) HIPOTECA JUDICIÁRIA. O entendimento majoritário desta Corte é no sentido de que a hipoteca judiciária, prevista no art. 466 do CPC, é um efeito secundário e imediato da sentença, que decorre apenas da existência desta e da condenação a uma prestação em dinheiro ou em coisa, e tem por finalidade garantir o efetivo cumprimento da decisão condenatória. Dessa forma, independe de pedido da parte, e sua inscrição pode ser determinada de ofício pelo juiz ou tribunal. Precedentes. (...)- (RR-154700-22.2006.5.03.0031, Rel. Min. Pedro Paulo Manus, 7ª T., DEJT 1º/7/2011)
-(...) HIPOTECA JUDICIÁRIA. Ao lançar mão do instituto da hipoteca judiciária, o eg. TRT visou à garantia dos créditos devidos à reclamante em que foi condenada a reclamado, exatamente como prevê os artigos 466 do CPC e 899 da CLT que tratam, respectivamente, da hipoteca judiciária e da garantia do juízo recursal na esfera trabalhista, não havendo impedimento para que o juiz do trabalho adote as práticas do direito processual para garantir às partes a efetividade da decisão proferida, não se exigindo, para sua decretação, que as partes a requeiram. Não demonstrada violação literal de dispositivos de lei e da Constituição Federal, nem divergência jurisprudencial. Recurso de revista não conhecido. (...)- (RR-199700-07.2009.5.03.0042, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª T., DEJT 24/6/2011)
-RECURSO DE REVISTA. HIPOTECA JUDICIÁRIA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. A decisão proferida pelo Tribunal Regional está em conformidade com a jurisprudência desta Corte Superior, que tem se firmado ao preconizar que é cabível a declaração de ofício da hipoteca judiciária para garantia da execução, nos termos do art. 466 do CPC. Precedentes. Incidência da Súmula nº 333 e do art. 896, § 4º, da CLT. Recurso de revista de que não se conhece. (...)- (RR-18700-98.2008.5.03.0110, Rel. Min. Kátia Magalhães Arruda, 5ª T., DEJT 3/6/2011)
-(...) HIPOTECA JUDICIÁRIA. ART. 466 DO CPC. APLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO E CONCESSÃO DE OFÍCIO. A hipoteca judiciária é uma consequência inarredável da decisão condenatória, muito embora seu uso não tenha sido uma constante nesta Justiça Especializada. Por se tratar de imposição legal, prescinde de pedido ou requerimento da parte interessada, consistindo dever do julgador determinar sua efetivação. Em razão da lacuna na CLT - que não prevê nenhuma forma de garantia integral da condenação antes de seu trânsito em julgado - e da compatibilidade com a principiologia do processo do trabalho, o instituto comporta aplicação nesta Justiça Especializada (art. 769 da CLT). Recurso de Revista não conhecido.- (RR-194-21.2010.5.03.0008, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, 4ª T., DEJT 1º/7/2011)
-RECURSO DE REVISTA. HIPOTECA JUDICIÁRIA. APLICAÇÃO NO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO. Trata-se de um dos efeitos secundários ou acessórios da sentença condenatória e se manifesta de forma automática, por força da lei, como consequência do efeito principal e dispensa, mesmo, pedido da parte ou pronunciamento do Juiz. A medida tem fundamento no art. 824 do Código Civil e no art. 466 do CPC. Este tem o seguinte texto: -A sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou em coisa, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos-. Embora seja efeito automático do próprio fato da sentença, há um direito do autor de inscrevê-la, inclusive para assegurar o direito de sequela, o que se fará por simples mandado do Juiz. Afastando o caráter obsoleto do instituto, como querem alguns doutrinadores, Moacyr Amaral Santos assegura que, quando outra utilidade não tenha, a hipoteca judiciária, eminentemente processual, vale como -meio preventivo da fraude à execução- (Com. ao CPC 2ª ed. IV/455), o que o torna relevante em processo do trabalho. Precedentes. Recurso de revista não conhecido.- (RR-43400-96.2009.5.03.0048, Rel. Min. Horácio Raymundo de Senna Pires, 3ª T., DEJT1º/7/2011)
-(...) 2. HIPOTECA JUDICIÁRIA. ARTIGO 466 DO CPC. APLICABILIDADE NA JUSTIÇA DO TRABALHO. Por disciplina judiciária, curvo-me ao entendimento desta colenda Corte no sentido de que não há incompatibilidade do instituto da hipoteca judiciária com as normas que regem o direito do trabalho e, sendo a CLT omissa, impõe-se a aplicação subsidiária da norma do artigo 466 do CPC. Destaca-se que a hipoteca judiciária pode ser declarada pelo Magistrado, nos termos previstos no artigo 466 do CPC, inclusive de ofício, independentemente de requerimento da parte interessada. Precedentes. Recurso de revista não conhecido.- (RR-61100-74.2007.5.03.0139, Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, 2ª T., DEJT 3/6/2011)
-HIPOTECA JUDICIÁRIA. APLICABILIDADE. JULGAMENTO EXTRA PETITA. A hipoteca judiciária é instituto asseguratório estabelecido pela lei em favor da parte vencedora, na medida em que representa garantia de satisfação do crédito na futura execução do título judicial. Significa dizer que a decisão constitui título suficiente para que o vencedor da demanda venha a ter, contra o vencido, e sobre seus bens imóveis e certos móveis, direito real de garantia, desde que realizada a inscrição da hipoteca judiciária no cartório de registro de imóveis, que deve ser ordenada pelo juiz por meio de expedição de mandado em atenção a requerimento de especialização dos bens feito pela parte favorecida mediante decisão condenatória. Não se exige, para a sua decretação, que a parte a requeira, nem tampouco que o órgão jurisdicional sobre ela decida. Institui-se a hipoteca judiciária e, consequentemente, nasce para o vencedor a faculdade de fazê-la inscrever - ex vi legis, pelo só fato da publicação da decisão do magistrado ou do Tribunal. Violações de lei e da Constituição e divergência jurisprudencial não configuradas. Recurso de revista não conhecido. (RR-203600-95.2009.5.03.0042, Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, 1ª T., DEJT 24/6/2011)"
Observa-se, ainda, que diferentemente da cautelar de "arresto", tal medida processual não tem relação com a solvibilidade ou não da empresa-ré, não sendo este requisito necessário para a hipoteca judiciária.
Por fim, não há que se falar em sentença extra petita, pois constitui instituto de ordem pública, tendo a decisão de origem simplesmente citado um dispositivo legal pertinente. Trata-se, na verdade, de conseqüência direta da sentença ou do acórdão condenatórios, sendo possível sua aplicação, independente do trânsito em julgado (art. 466, § único, III, CPC), assegurando maior efetividade às decisões judiciais, em atenção ao entendimento dominante no C. TST.
Mantenho.
DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
Insiste a ré na exclusão da condenação ao pagamento de indenização por danos morais (R$ 5.000,00), requerendo, sucessivamente, a diminuição do valor.
A autora, por sua vez, requer a majoração do valor em recurso adesivo.
Sem razão a ré.
Com razão a reclamante.
As relações de trabalho devem pautar-se pela respeitabilidade mútua, face ao caráter sinalagmático da contratação, impondo-se aos contratantes, reciprocidade de direitos e obrigações. Desse modo, ao empregador, além da obrigação de dar trabalho e de possibilitar ao empregado a execução normal da prestação de serviços, cabe, ainda, respeitar a honra, a reputação, a liberdade, a dignidade e integridade física, intelectual e moral de seu empregado. Isto porque se tratam de valores que compõem o patrimônio ideal da pessoa, assim conceituado o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valoração econômica, integrando os chamados direitos da personalidade, essenciais à condição humana e constituindo assim, bens jurídicos invioláveis e irrenunciáveis.
Tais valores foram objeto de preocupação do legislador constituinte de 1988, que lhes deu status de princípios constitucionais que fundamentam a República (CF, artigo 1º, incisos III e IV), assegurando o direito à indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação (CF, art. 5º,V e X).
Portanto, sempre que o trabalhador, em razão do contrato de trabalho, por ação ou omissão do empregador, sofrer lesão à sua dignidade, honra, ou ofensa que lhe cause um mal ou dor (sentimental ou física), causando-lhe abalo na personalidade ou psiquismo, terá o direito de exigir a reparação por danos morais e materiais decorrentes da conduta impertinente. Nesse sentido dispõem os artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002.
Destaca-se que a competitividade no ramo não autoriza o uso das técnicas constrangedoras, de que freqüentemente se valem determinadas empresas, pois tal constitui metodologia perversa de gestão voltada para os interesses da produção e do mercado, apenas. Não há mesmo como tolerar o tratamento por vezes dispensado pelas empresas aos seus funcionários, vez que os objetivos comerciais não podem justificar práticas que vilipendiem a dignidade humana e a personalidade do trabalhador.
O tratamento humilhante é incompatível com a dignidade da pessoa, com a valorização do trabalho humano e a função social da propriedade, asseguradas pela Constituição Federal (art. 1º, III e IV, art.5º, XIII, art. 170,caput e III).
In casu, a autora afirmou na exordial que o Sr. Artur, em diversas situações, "passou a acusar a reclamante de incapaz, ofendendo-a de burra e incompetente", "Além das ofensas acima, o Sr. Artur, de forma preconceituosa chamava a reclamante de 'Sapatão', 'tranqueira', 'vagabunda', 'sem cérebro, merece uma chacoalhada na cabeça para voltar ao normal'".
As situações narradas acima, se comprovadas, sem sombra de dúvidas caracterizam dano moral. Observa-se, assim, a prova oral colhida às f. 50/1:
A depoente começou a trabalhar na reclamada, na função de vendedora, em abril/2010 e continua trabalhando na reclamada; que conhece a reclamante; a autora trabalhou na reclamada na função de vendedora; que não se recorda da data de contratação da autora; que a autora foi contratada pelo Sr. Artur; que a autora estava subordinada ao Sr. Artur; que iniciava as vendas por volta das 08:00h da manhã, com uma hora de intervalo intrajornada, encerrando por volta das 17:00h ou 18:00h, de segunda a sexta-feira; que aos sábados trabalhava até às 13:00h ou mais, uma vez que tinha metas a cumprir; que trabalhava em média 03 domingos por mês; que o Sr. Artur era muito agressivo no ambiente de trabalho; o Sr. Artur mencionava diretamente com a autora "que ela não realizava vendas porque tinha caso com outra funcionária da reclamada"; que chamava a autora de "tranqueira, vagabunda"; que o vendedor auferia salário fixo de R$ 600,00 mais comissões; a autora trabalhou durante um certo período sem registro; que antes do registro da autora, ela auferia cerca de R$ 20,00 por dia, independentemente da realização das vendas; a depoente auferia cerca de R$ 300,00/R$ 400,00 por mês, a título de comissões, da mesma forma a autora; que no período sem registro, as comissões eram pagas pelos clientes; que somente após o registro, as comissões passaram a ser pagas pela reclamada; que no período sem registro, a responsabilidade pelo pagamentos das comissões era apenas do cliente; que a depoente chegou a realizar plantões junto com a autora; que não sabe precisar a periodicidade destes plantões e geralmente os plantões iniciavam por volta das 19h terminando por volta das 09h/10h da manhã seguinte; o Sr. Artur determinava a realização dos plantões; que durante todo o pacto laboral a depoente realizou plantões, da mesma forma a autora; que a autora realizava pesquisas; que as pesquisas realizadas eram entregues no final do dia ao Sr. Artur; que a autora trabalhava exclusivamente para a reclamada; que não podia fazer indicação de produtos de outras empresas; que após o plantão a autora iniciava suas atividades normalmente.(grifo meu)
Com efeito, não há que se alegar ausência de dano moral. O superior hierárquico da reclamante, de maneira preconceituosa e bastante ofensiva, colocava em dúvida a competência da trabalhadora, relacionando seu comportamento funcional a uma suposta orientação homossexual que entendia moralmente condenável. Além disso, chamou a obreira de tranqueira e vagabunda.
Ora, apenas os epítetos depreciativos de "tranqueira" e "vagabunda", por si só, já constituem grave atentado à dignidade da trabalhadora, com alto grau de ofensividade e execração moral, agravados por serem proferidos diante do corpo funcional. A primeira expressão (tranqueira) embute a idéia de algo sem valor, descartável, e a segunda (vagabunda), muito mais grave, tem diversas acepções, seja de cunho moral (vadia, inconstante, leviana, volúvel)*, ou depreciativo quanto à honestidade (velhaca, pelintra, canalha, biltre)*, sem qualidade (reles, ordinária) ou incapaz para o trabalho (desocupada, ociosa)* (*in "Novo Dicionário Aurélio da Língüa Portuguesa", Nova Fronteira, 2ª Edição, pág. 1748).
Mas é no aspecto homofóbico (f. 51) que se encontra a carga maior de discriminação contra a reclamante, por parte da chefia ("não realizava vendas porque tinha caso com outra funcionária da reclamada"). Ora, para efeito de cumprimento do contrato de trabalho ou produtividade da reclamante, era, como de fato é, absolutamente irrelevante a orientação sexual adotada pelo empregado, vez que se trata de questão estritamente relacionada à sua intimidade. No entanto, a chefia adotou como forma de ofensa, a denúncia perante as colegas, de uma suposta relação homoafetiva, elegendo-a como causa da falta de produtividade. A prática revela, em pleno século XXI, uma das mais repugnantes formas de discriminação, qual seja, o preconceito quanto à orientação sexual do ser humano. É certo que a histeria homofóbica e a hipocrisia explicam em grande parte o incipiente estágio de conquistas na esfera legislativa no que concerne a esta questão nuclear para a efetivação de um dos fundamentos da República Federativa do Brasil: a dignidade do ser humano, independentemente da forma como cada um expresse a sua sexualidade. O Judiciário tem se posicionado de forma vanguardista contra o conservadorismo e a ortodoxia, ao assegurar igualdade substantiva aos que adotam orientação sexual diversa do "padrão modelar", garantindo o direito à convivência, à formação da família e à união civil homoafetiva, cumprindo a promessa constitucional de igualdade e de organização da sociedade com vistas à felicidade. É o que se extrai do recente julgamento do Egrégio Superior Tribunal Federal, na ADIn 4277 e ADPF n.º 132. Transcreve-se abaixo a ementa do RE n.º 477.554/MG:
UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO - ALTA RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO PERTINENTE ÀS UNIÕES HOMOAFETIVAS - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR: POSIÇÃO CONSAGRADA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADPF 132/RJ E ADI 4.277/DF) - O AFETO COMO VALOR JURÍDICO IMPREGNADO DE NATUREZA CONSTITUCIONAL: A VALORIZAÇÃO DESSE NOVO PARADIGMA COMO NÚCLEO CONFORMADOR DO CONCEITO DE FAMÍLIA - O DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE, VERDADEIRO POSTULADO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO E EXPRESSÃO DE UMA IDÉIA-FORÇA QUE DERIVA DO PRINCÍPIO DA ESSENCIAL DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - ALGUNS PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DA SUPREMA CORTE AMERICANA SOBRE O DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA FELICIDADE - PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA (2006): DIREITO DE QUALQUER PESSOA DE CONSTITUIR FAMÍLIA, INDEPENDENTEMENTE DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL OU IDENTIDADE DE GÊNERO - DIREITO DO COMPANHEIRO, NA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA, À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO DA PENSÃO POR MORTE DE SEU PARCEIRO, DESDE QUE OBSERVADOS OS REQUISITOS DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL - O ART. 226, § 3º, DA LEI FUNDAMENTAL CONSTITUI TÍPICA NORMA DE INCLUSÃO - A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO - A PROTEÇÃO DAS MINORIAS ANALISADA NA PERSPECTIVA DE UMA CONCEPÇÃO MATERIAL DE DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL - O DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO DE IMPEDIR (E, ATÉ MESMO, DE PUNIR) "QUALQUER DISCRIMINAÇÃO ATENTATÓRIA DOS DIREITOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS" (CF, ART. 5º, XLI) - A FORÇA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O FORTALECIMENTO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL: ELEMENTOS QUE COMPÕEM O MARCO DOUTRINÁRIO QUE CONFERE SUPORTE TEÓRICO AO NEOCONSTITUCIONALISMO - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. NINGUÉM PODE SER PRIVADO DE SEUS DIREITOS EM RAZÃO DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL. - Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual. Os homossexuais, por tal razão, têm direito de receber a igual proteção tanto das leis quanto do sistema político-jurídico instituído pela Constituição da República, mostrando-se arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que puna, que exclua, que discrimine, que fomente a intolerância, que estimule o desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de sua orientação sexual.RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR. - O Supremo Tribunal Federal - apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e invocando princípios essenciais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade) - reconhece assistir, a qualquer pessoa, o direito fundamental à orientação sexual, havendo proclamado, por isso mesmo, a plena legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, atribuindo-lhe, em conseqüência, verdadeiro estatuto de cidadania, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito, notadamente no campo previdenciário, e, também, na esfera das relações sociais e familiares. - A extensão, às uniões homoafetivas, do mesmo regime jurídico aplicável à união estável entre pessoas de gênero distinto justifica-se e legitima-se pela direta incidência, dentre outros, dos princípios constitucionais da igualdade, da liberdade, da dignidade, da segurança jurídica e do postulado constitucional implícito que consagra o direito à busca da felicidade, os quais configuram, numa estrita dimensão que privilegia o sentido de inclusão decorrente da própria Constituição da República (art. 1º, III, e art. 3º, IV), fundamentos autônomos e suficientes aptos a conferir suporte legitimador à qualificação das conjugalidades entre pessoas do mesmo sexo como espécie do gênero entidade familiar. - Toda pessoa tem o direito fundamental de constituir família, independentemente de sua orientação sexual ou de identidade de gênero. A família resultante da união homoafetiva não pode sofrer discriminação, cabendo-lhe os mesmos direitos, prerrogativas, benefícios e obrigações que se mostrem acessíveis a parceiros de sexo distinto que integrem uniões heteroafetivas. A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DO AFETO COMO UM DOS FUNDAMENTOS DA FAMÍLIA MODERNA. - O reconhecimento do afeto como valor jurídico impregnado de natureza constitucional: um novo paradigma que informa e inspira a formulação do próprio conceito de família. Doutrina. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E BUSCA DA FELICIDADE. - O postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País, traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Doutrina. - O princípio constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais. - Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma idéia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte americana. Positivação desse princípio no plano do direito comparado. A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A PROTEÇÃO DAS MINORIAS. - A proteção das minorias e dos grupos vulneráveis qualifica-se como fundamento imprescindível à plena legitimação material do Estado Democrático de Direito. - Incumbe, por isso mesmo, ao Supremo Tribunal Federal, em sua condição institucional de guarda da Constituição (o que lhe confere "o monopólio da última palavra" em matéria de interpretação constitucional), desempenhar função contramajoritária, em ordem a dispensar efetiva proteção às minorias contra eventuais excessos (ou omissões) da maioria, eis que ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, à autoridade hierárquico-normativa e aos princípios superiores consagrados na Lei Fundamental do Estado. Precedentes. Doutrina.
 
Não se pode considerar como "normal" a postura do superior hierárquico da ré, e portanto, seu preposto, cujas ofensas e agressões verbais expressaram notório preconceito e discriminação em relação à orientação sexual da autora.
Nunca é demais lembrar que o trabalhador é sujeito e não objeto da relação contratual, e tem o direito de preservar sua integridade física, intelectual e moral, em face do poder diretivo do empregador. A subordinação no contrato de trabalho não compreende, portanto, a pessoa do empregado, mas tão-somente a sua atividade laborativa, esta sim submetida de forma limitada e sob ressalvas, ao jus variandi.
O procedimento adotado pela reclamada configura ato de discriminação com relação à orientação sexual da demandante, na medida em que vincula a suposta incompetência para o desenvolvimento regular dos seus misteres a eventual relação afetiva da obreira por pessoa do mesmo sexo.
Dentre as diversas práticas atentatórias à integridade moral dos trabalhadores encontra-se a discriminação, seja por motivo de raça, credo, origem e sexo.
Inegável, outrossim, que o grupo social identificado pela sigla LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) segue sofrendo agressões na sociedade, nas ruas e nos locais de trabalho, sob diversas formas (moral, social, religiosa, física, entre outras), sendo que o Brasil é um dos primeiros no triste rankingdos campeões mundiais de assassinatos motivados por homofobia (pesquisadores apontam que a cada 03 dias, 01 pessoa é vitimada em decorrência da sua orientação sexual, sob o silêncio cínico e omissão do poder público).
Tenho que o assédio moral restou configurado no caso vertente, porquanto presentes o cerco e a discriminação. Mas ainda que assim não fosse, o caráter da agressão praticada pelo superior hierárquico também importa indenização por dano moral, em vista do notório atentado à dignidade da trabalhadora, que se viu humilhada com epítetos depreciativos e atingida em sua intimidade e vida privada (art. 5º, X, CF), resultando malferidos os princípios da igualdade (art. 5º, caput) e da dignidade humana (art. 1º, III, CF), práticas estas intoleráveis numa sociedade que hoje pretende alcançar um novo patamar civilizatórioe que pedem resposta dura do Judiciário em vista da afronta a direitos fundamentais.
É notório que não existe indenização que cubra efetivamente o dano moral, ou seja, essa modalidade de indenização é sempre simbólica, pois, não há dinheiro que logre purgar em sua plenitude, as perdas decorrentes do desgaste emocional e moral, em virtude do ultraje tenha sido submetida a parte ofendida, com grandes repercussões na sua vida íntima, imagem, dignidade ou personalidade.
O próprio sentido da palavra dano moral, expressa a idéia de que estamos diante de um "patrimônio abstrato", ou seja, bens e valores que não admitem valoração precisa, posto que insuscetíveis de serem medidos ou aferidos por instrumentos físicos.
Quando a indenização decorre de um dano material, há que ser mensurada pela extensão do dano e não pelo grau de culpa, enquanto no caso do dano moral, o grau de culpa também é levado em consideração, juntamente com a gravidade, extensão e repercussão da ofensa, bem como a intensidade do sofrimento infligido, motivo porque, mostra-se primordial a importância da indenização extrapatrimonial.
Na realidade, quando se trata de dano extrapatrimonial, estamos diante de uma forma de compensação de prejuízos, e nunca de reparação pecuniária. No passado a Suprema Corte já chegou a posicionar-se pelo princípio de que, somente poderia ser ressarcido aquilo que admitisse reparabilidade ou retorno ao estado original. Assim, os danos morais não poderiam ser reconstituídos, e, por conseqüência, seriam irressarcíveis pela sua natureza. Tal entendimento evoluiu todavia, para a compreensão de que os gravames não patrimoniais podem ser reparados, em caráter de compensação pelo sofrimento experienciado pela vítima.
Os prejuízos advindos de danos extrapatrimoniais não admitem reposição, mas bem podem ser tutelados, mediante uma pena, que se reveste de caráter compensatório, daí a importância dos elementos necessários para fixação do montante indenizatório.
Por isso, Caio Mario da Silva Pereira destaca que "o que é da essência da reparação do dano moral é a ofensa a um direito, sem prejuízo material". (Responsabilidade Civil 5ª Ed, Rio de Janeiro Editora Forense 1.994 pág 55). Assim, se não há reparação, deverá haver compensação.
Neste aspecto, "O homem que causa dano a outro", na imortal síntese de Pontes de Miranda, "não prejudica somente a este, mas à ordem social". Na concepção aristotélica, o homem é um ser gregário, e na sua vida em sociedade estabelece fortes laços de agregação social. Por essa razão, a ofensa aos bens jurídicos de um deles, resulta no imediato e conseqüente reflexo nos direitos dos demais.
No caso dos autos, compensar é reduzir tudo a dinheiro.
Acresça-se, que o grau de exposição da reclamante ao constrangimento e o sofrimento emocional, constituem fatores relevantes na determinação da reparação, em razão da maior repercussão do dano moral, influindo na exacerbação do quantum da condenação.
Com efeito, o tormento experimentado, além de interferir indiscutivelmente no dia-a-dia da empregada, roubando-lhe a paz espiritual e ceifando a sua tranqüilidade, atingiu-lhe a personalidade e a própria imagem, desmoralizando-a perante os colegas com a cruel imposição de que a sua incompetência estava atrelada à sua orientação sexual. Outrossim, o preconceito, sob qualquer de suas formas, não pode ser tolerado, sob pena de legitimar condutas discriminatórias as mais diversas, não podendo a indenização ser ínfima, sob pena de não atingir o seu objeto específico.
Sem ir ao extremo do propiciamento de enriquecimento sem causa, temos, todavia, que nas situações de maior gravidade, como é o caso dos autos, oarbitramento da indenização por dano moral deve ser o mais amplo possível,levando-se em conta, que o apenamento do agente causador do dano, tem como objetivo precípuo, a educação e conscientização do comportamento, visando o bem social e à prevenção de nova reincidência, que produz como resultado um importante papel na pedagogia coletiva.
Por esta razão, a indenização não pode ser arbitrada em valor ínfimo, sob pena de perder sua função educativa, reflexiva e, conseqüentemente, transformadora, o que a tornaria inócua, ensejando que a empresa-ré, que mantém em seus quadros milhares de empregados e que se encontra estabelecido em território nacional, siga dispensando tratamento desrespeitoso e cruel como este constatado.
É preciso pois, que a verba reparatória tenha um efetivo caráter satisfativo, sob pena de perder a sua finalidade, em virtude da sua inoperância.
Essa tem sido a idéia prevalente entre os julgados de nossos Tribunais do Trabalho, posto, que, retrata o verdadeiro objetivo da orientação assumida pelos doutrinadores que adotaram a tese positivista.
Assim, o que se busca nesse tipo de reparação é, primeiramente, uma satisfação consistente em determinada importância em dinheiro, capaz de compensar as angústias e aflições ocasionadas pelo evento lesivo.
Ademais, se houve dano moral, é porque os elementos concorreram para a sua efetivação, razão porque, a lei possui um sentido tríplice, qual seja, reparar, punir e educar.
Dentre os autores nacionais que se filiam à corrente doutrinária que defendem a tese da teoria compensatória, pode-se destacar, Mário Moacyr Porto, João Casilo, Caio Mario da Silva Pereira, Orlando Gomes, Antônio L. Montenegro, Carlos Roberto Gonçalves, José Aguiar Dias, Carlos Aberto Bittar, e inúmeros outros expressivos autores pátrios.
No entanto, também se busca a elaboração da idéia-pena, na qual se subtrai parcela do patrimônio do lesionador, conduzindo à conclusão, que a cada dano que perpetrar, a pena será agravada.
Diante do exposto, para fixação do valor, atento para a extensão do dano, a capacidade do ofensor (f. 70 – capital social de mais de R$ 1 milhão de reais), o tempo de trabalho, o salário da autora e a feição pedagógica e suasória da condenação, arbitro a indenização no importe razoável de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Incidente a Súmula 362 do C. STJ.
Não incidirá contribuição previdenciário e fiscal sob tal título, em vista do seu caráter indenizatório.
Por fim, diante de todo exposto, determino que se dê ciência ao Ministério Público do Trabalho especificamente quanto aos fatos analisados neste tópico, para que tome as providências que entender de direito.
Reformo, parcialmente.
HORAS EXTRAS – SERVIÇO EXTERNO.
Insurge-se a autora contra o indeferimento das horas extras, sustentando não ter sido provado que ela exercia função externa incompatível com o controle de jornada (art. 62, I, da CLT), prevalencendo, assim, a jornada da inicial.
Assiste razão à reclamante.
A reclamante, na inicial (f. 06), alegou a seguinte jornada, resumidamente: de segunda a sábado, das 08h às 17/18h, com 01 hora de intervalo intrajornada, inclusive feriado.
A reclamada, em defesa às f. 84/5, bem como nas suas contrarrazões de recurso ordinário, alega, apenas, que a autora sempre executou atividade externa, não havendo controle de jornada.
O argumento da ré não procede, por dois motivos.
Primeiro, porque era da demandada o ônus da prova do fato impeditivo do direito pleiteado (artigo 818 da CLT c/c com artigo 333, inciso II, do CPC) e dele não se desincumbiu. A demandada não produziu qualquer prova de que não era passível de fiscalização e controle a jornada da reclamante, prevalecendo, assim, a tese da exordial.
Segundo, porque o simples fato de prestar serviços externos, não retira do empregado o direito ao recebimento de horas extras.
É que a regra do inciso I do artigo 62 da CLT não se concilia com o § 3º do artigo 74 também da CLT. Com efeito, esta norma estabelece que o trabalho realizado "fora do estabelecimento" deve ser anotado em ficha ou papeleta em poder do empregado, obviamente dispondo que o trabalho externo, quando mensurável, deve ser anotado, ficando claro que o inciso I do artigo 62 da CLT trata dos casos em que o trabalho externo não pode ser medido.
O trabalho externo que por qualquer forma seja suscetível de mensuração propicia ao empregado o direito de perceber horas extras sempre que excedido o limite legal ou contratual de jornada.
E se o empregado comparece diariamente à empresa, no início e no final do expediente; se lhe são designadas determinadas tarefas para serem feitas e das quais presta contas no final do dia, por certo sua jornada de trabalho é suscetível de controle. A fiscalização da jornada de trabalho não se dá apenas quando o empregado permanece todo o tempo sob a vista do empregador. Em verdade isso raramente ocorre. O controle do trabalho faz-se com muito maior eficácia, pela análise da quantidade produzida, exame de relatórios, itinerário, obrigação de retorno ao final do expediente, e outros meios de averiguação.
Deste modo, não tendo a reclamada controlado o horário da reclamante através da papeleta de serviços externos, como determinado pelo mencionado artigo 74 da CLT, inverteu-se novamente o ônus da prova (art. 333, II, CPC), e deste encargo não se desincumbiu. Assim, resta afastada a aplicação do disposto no artigo 62, inciso I da CLT.
Destaca-se, ainda, que o disposto na cláusula 1ª do contrato de trabalho às f. 95: "O EMPREGADO iniciará suas atividades no dia 03 de Janeiro de 2011, trabalhará para a EMPREGADORA, exercendo a função de VENDEDOR EXTERNO, na Administração Central. O EMPREGADO concordando expressamente em exercer estas atividades na sede da EMPREGADORA ou ainda em qualquer outra empresa que componha o mesmo grupo econômico.".
Ora, apesar de afirmar que a função da empregada seria de vendedora externa, admite-se a possibilidade do labor ser exercido na sede da empresa ou de qualquer outra empresa que componha o grupo econômico, não havendo que se afastar o pagamento em virtude do contrato de trabalho, sendo este um dos fundamentos do MM. Juízo a quo.
Outrossim, a única testemunha ouvida nos autos não afirmou nada a respeito da incompatibilidade de controle da jornada.
Assim, se a jornada era suscetível de controle, a reclamada não fez prova da incompatibilidade da função e a limitação de jornada, afastando-se a hipótese do art. 62, I da CLT. Fixo, portanto, a jornada de segunda a sábado, das 08 às 17h, com 01 hora de intervalo intrajornada, na forma do pedido recursal.
Diante do exposto, reformo a decisão primária para condenar a reclamada no pagamento das horas excedentes à 44ª diária, com os adicionais normativos, observados seus termos e prazos de vigência e, na eventual ausência, os legais, o divisor 220, evolução salarial, os dias efetivamente laborados e reflexos em DSR´s, em férias mais 1/3, 13º salários, observadas as proporcionalidades quando houver, aviso prévio e FGTS com 40%.
Reformo.
Do exposto,
ACORDAM os Magistrados da 04ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 02ª Região em: conhecer os recursos interpostos e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO ao recurso ordinário da reclamada e DAR PROVIMENTO ao apelo da autor para: 1) majorar o valor de indenização por danos morais no importe de R$ 30.000,00 (trinta mil reais); 2) condenar a reclamada ao pagamento de horas extras excedentes à 44ª diária, com os adicionais normativos, observados seus termos e prazos de vigência e, na eventual ausência, os legais, o divisor 220, evolução salarial, os dias efetivamente laborados e reflexos em DSR´s, em férias mais 1/3, 13º salários, observadas as proporcionalidades quando houver, aviso prévio e FGTS com 40%, observando-se a fixação da jornada no corpo do Voto; tudo na forma da fundamentação do voto do Relator. Rearbitra-se o valor da causa em 35.000,00. Custa pela ré no importe de R$ 700,00.
 
RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS
Desembargador Relator
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"A ordem universal frequentemente apresentada como irresistível é, todavia, defrontada e afrontada, na prática, por uma ordem local, que é sede de um sentimento e aponta um destino." M.S.

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