16 de novembro de 2009

Carta do Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos

COMITÊ BRASILEIRO DE DEFENSORES E DEFENSORAS

DE DIREITOS HUMANOS

 

Brasília, 13 de novembro de 2009.

 

 

Ao Excelentíssimo Senhor

Ministro Paulo Vanucchi

Secretaria Especial de Direitos Humanos

Brasília – DF.

 

c/c para:

Excelentíssimo Senhor

Fernando Matos

Coordenação Geral do PNPDDH

Brasília – DF

 

            Senhor Ministro,

 

           

O Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos - CBDDH, preocupado com a gravidade do contexto dos defensores de direitos humanos e movimentos sociais no Brasil que enfrentam um avanço das estratégias de setores conservadores do Poder Público (Executivo, Legislativo e Judiciário) e de entes não estatais, faz nessa carta algumas considerações sobre o Programa Nacional de Proteção dos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos.

 

 No ano de 2009, constatamos que o Estado brasileiro mantém seu padrão de negação de direitos individuais e coletivos, dificuldade de acesso à justiça e criminalização dos movimentos sociais. Diante de tal quadro o CBDDH vem externalizar algumas ponderações acerca do Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos – PPDDH.

 

Tendo em vista os impasses encontrados pelo PPDDH e a repetição dos problemas já identificados pelo Comitê, reafirmamos alguns pontos elencados na Carta do ano de 2008, assim como ressaltamos leituras conjunturais atualizadas durante o  Seminário Nacional de 2009 em reunião da sociedade civil no último dia 12 de novembro.    

 

Entendemos também que o PPDDH e o poder público devem enfocar e agir sobre as principais causas das violações e criminalização dos defensores de direitos humanos no país, dentre essas causas podemos citar enquanto exemplo a questão da luta pela terra/território, na sua disputa contra um modelo de desenvolvimento econômico que prioriza o agronegócio e mega-projetos. 

 

Nesse seminário reafirmamos que os defensores de direitos humanos e movimentos sociais devem ser considerados os protagonistas não só na construção do PPDDH, mas também em todas as atividades nacionais e estaduais que tratem dessa temática, incluindo a participação determinante na concepção do seminário anual.

 

Por entendermos que o 4º Seminário Nacional do PPDDH é um importante momento de reflexão e amadurecimento de uma política de proteção dos defensores/as que pretende ser uma política de Estado, consideramos ser o espaço oportuno para apresentar as seguintes reflexões.

 

Institucionalização – Estruturação

 

Após 06 anos da constituição do grupo de trabalho e 05 anos da criação do PPDDH permanece a necessidade de se potencializar a articulação com os estados e de fortalecer a política nacional e os programas estaduais no Pará, Pernambuco, Espírito Santo e Bahia. Além disso, torna-se fundamental implementar os acordos com os estados do Rio de Janeiro, Paraíba e Minas Gerais.  

 

Os programas estaduais têm enfrentado uma descontinuidade, decorrente de diversos fatores, mas principalmente do modelo de formalização adotado para firmar as parcerias entre a União e os Estados federados. Em relação ao modelo de celebração dos convênios, é importante mais uma vez destacar que as dificuldades encontradas para superação dos problemas formais não podem ser atribuídos à sociedade civil, quando as organizações não aceitam executar o programa, pois essa responsabilidade cabe ao Estado.

 

Diante dessas considerações iniciais, a sociedade civil neste Seminário aponta as seguintes reflexões, demandas e propostas para o fortalecimento do Programa:

 

·         Buscar alternativas para desburocratizar o PPDDH através da legislação vigente, possibilitando articulação mais efetiva entre as instituições públicas, em especial aquelas vinculadas aos setores de segurança pública.

 

·         Os estados devem assumir sua responsabilidade diante do programa, assim como os órgãos públicos que compõe a Coordenação do Programa precisam realizar uma eficiente articulação política para transformá-lo em política de Estado.

 

·         Protagonismo na participação da sociedade civil no processo de formação e capacitação oferecido pela SENASP em convênios pelas IE´s (Instituições de Ensino) para agentes de segurança pública que estarão inseridos no Programa de Proteção dos defensores de Direitos Humanos.

 

·         Como garantia da democratização do programa, acreditamos que deva ocorrer em cada estado onde o mesmo será  implementado, seminários com a participação da sociedade civil para definição da política a ser adotada.

 

 

 

 

Ampliação da rede

 

 O Comitê entende que a ampliação da rede na atual conjuntura requer um esforço político, jurídico e metodológico da Secretaria Especial de Direitos Humanos junto aos estados para atuar nas causas estruturais da violência e criminalização dos movimentos sociais e contra os defensores de direitos humanos.

 

Destaca-se ainda que esse processo de ampliação da rede deva ser construído, imprescindivelmente, desde a sua concepção, com a definição de critérios para escolha dos estados a serem contemplados, a sensibilização política, o processo de formalização e monitoramento destes, em conjunto com a sociedade civil organizada.

 

Reafirmamos que o Estado é o responsável quanto à proteção dos defensores de direitos humanos, desta forma a co-responsabilidade entre União e estados é evidente como apontamos na Carta de 2008, em relação aos seguintes temas: relação da SEDH/PR com os aos estados convenentes; orientação técnica sobre a possibilidade da contratação das equipes; e construir um plano de ação para o PPDDH esteja institucionalizado como política de estado.

 

No que tange a responsabilidade da SEDH/PR, a sociedade civil reitera seu entendimento de que todas as vezes que um defensor ameaçado não encontrar tutela no estado federado, a responsabilidade pela proteção, bem como pelo enfrentamento das causas da violação, pertence à União, como determinam a Constituição brasileira e a normativa internacional que versam sobre direitos humanos. Para cumprimento dessa obrigação, a sociedade civil assinala, novamente, a necessidade de a SEDH urgentemente garantir estrutura e orçamento adequados à proteção dos defensores de direitos humanos.

 

Diante do exposto para a ampliação da Rede, apresentamos as seguintes ponderações:

 

·         Aporte orçamentário de recursos para assessoria jurídica, apoio psicológico e efetiva proteção para os defensores de direitos humanos incluídos no PPDDH.

 

·          Reivindicamos que a SEDH oportunize a chegada da sociedade civil um dia antes do começo das reuniões da coordenação nacional e dos seminários nacionais para que seja possível realizar uma reunião preparatória, troca de experiências (vivências), criação e fortalecimento da rede entre os defensores de direitos humanos.

 

·         O sistema de Proteção aos defensores deverá privilegiar as condições locais da atuação de cada defensor/a.

 

·         Fortalecimento e/ou criação de Defensorias Públicas nos Estados, e núcleos especializados para acompanhamento de defensores de direitos humanos.

 

 

Marco Legal

 

Sobre o marco legal, cabe enfatizar que a sociedade civil desde a criação do grupo de trabalho tem feito incidências sobre a importância da formalização do programa, pois compreende que para efetivação da política de proteção dos defensores é fundamental que exista uma legislação que a crie e estabeleça as regras gerais de seu funcionamento.

 

No processo de construção do marco legal, a sociedade civil esteve sempre preocupada em manter na redação do projeto de lei, dispositivos que garantissem conceitos e diretrizes capazes de dar efetividade à política, tanto no que diz respeito aos elementos teóricos e políticos da temática defensores, quanto nas questões relacionadas à competência, responsabilidade, forma de gestão, estrutura e orçamento condizentes com a realidade. Nesse sentido, a sociedade civil participou dos diversos momentos voltados à elaboração da proposta de projeto de lei. Ocorre que, ao final desse processo de formulação, restou apresentada uma minuta em que dispositivos defendidos pela sociedade civil acabaram excluídos ou modificados.

 

Apesar disso, a sociedade civil reitera seu entendimento quanto à necessidade de se acelerar a tramitação e a aprovação do PL que regulamenta o Programa de Defensores na Câmara dos Deputados e Senado Federal, em face da necessidade instrumental e legal da sua existência enquanto política de Estado.

 

 

Diagnóstico Nacional

 

Sobre o diagnóstico nacional, entendemos que é importante garantir um amplo debate no âmbito da coordenação nacional, antes de qualquer divulgação do relatório final como subsídio ao fortalecimento da política em curso, resguardando a identidade de defensores que expressamente não queiram ser citados.

 

Não houve espaço para discussão quanto à metodologia, abrangência – visto que não alcança todos os estados da federação – e articulação com as organizações da sociedade civil que compõem a Coordenação Nacional do PNPDDH.

                                                

 

Gestão do PNPDDH

 

No que se refere à Coordenação Nacional do Programa, salientamos que foram realizadas reuniões ordinárias do Programa, com a participação de representantes da sociedade civil e do estado. Também consideramos positivo o fato de não ter havido descontinuidade na equipe desde a posse da atual coordenação geral em setembro de 2007. No entanto, algumas questões relativas a gestão do Programa precisam ser assinaladas.

 

Entendemos que é urgente o fortalecimento da equipe técnica do PPDDH com a efetiva participação da representação sociedade civil na Coordenação Nacional, especialmente para atender as demandas que se encontram pendentes e que dizem respeito a proteção de  defensores ameaçados.

 

As visitas in loco do PPDDH devem ser feitas através do dialogo permanente e a devida articulação com vários setores da sociedade civil e defensores de cada estado. Haja vista, que em muitas oportunidades os contatos realizados pelo programa foram feitos de forma precária e centralizados em poucos segmentos.

 

Informações sobre questões práticas, mas essenciais para o monitoramento da sociedade civil, como a elaboração, o envio e a aprovação de atas, relatórios, informes sobre encaminhamento de casos, celebração de convênios, agendas nos estados, dentre outros, não tem circulado de forma sistemática e satisfatória entre os membros da coordenação. Sobre as atas, entendemos que as mesmas precisam ser elaboradas durante a realização das atividades, independentemente da gravação dos eventos.

 

Durante este ano, por reivindicação da sociedade civil, foi iniciada a elaboração de um plano de trabalho, através da composição de um Grupo de Trabalho, que apresentou propostas, sob as quais foram aprovados encaminhamentos concretos no âmbito da coordenação nacional, tais como a constituição de GTs específicos aos principais temas e desafios do PPDDH. Nesse sentido, entendemos que é fundamental dar continuidade aos encaminhamentos aprovados, assim como é imprescindível que a elaboração dos planos de trabalho seja replicada anualmente, para que se permita um efetivo acompanhamento dos casos de defensores sob proteção, das demandas de proteção, bem como das demais ações de competência da Coordenação Nacional, como por exemplo, o processo de preparação das reuniões ordinárias e do seminário nacional.

 

A mesa de abertura do 4º Seminário Nacional expressou a dificuldade de diálogo dentro da coordenação nacional, uma vez que não contou com a participação dos defensores de direitos humanos ameaçados na sua composição. Esse fato desrespeitou um acordo firmado anteriormente.

 

Outro ponto importante que tem dificultado a efetiva compreensão e encaminhamentos por parte da sociedade civil que integra a Coordenação Nacional, é a falta de informações sobre o orçamento previsto e executado do Programa.

Considerando a demora no estabelecimento do marco legal que garantirá a instituição do Conselho Deliberativo, é importante que se avance para a construção desse espaço ainda que não esteja legalmente formalizado, bem como que sejam definidos os papéis e atribuições da Coordenação Executiva e do Conselho Deliberativo.

 

 

 

 

 

 

 

Recomendações

 

 

Diante de todas essas considerações, vimos recomendar que:

 

 

1.      No processo de sensibilização dos estados federados, é importante que as responsabilidades sejam explicitadas e os acordos sejam formalizados. Além disso, a parceria não pode se restringir a celebração de convênios e repasses de recursos federais;

 

2.      Compromisso dos estados que formalizarem o programa - instituindo o marco legal estadual - destinarem orçamentos adequados ao seu funcionamento, capacitem e disponibilizem policiais para realizar a proteção dos defensores ameaçados;

 

 

3.      A SEDH/PR apresente aos estados convenentes, formal e rapidamente, um parecer técnico com vistas à superação dos entraves da contratação direta das equipes técnicas;

 

4.      Sejam urgentemente ampliados a estrutura e o orçamento no âmbito da SEDH, a fim de garantir a proteção dos defensores de direitos humanos enquanto política de Estado;

 

5.      A aceleração do debate quanto à gestão do Programa, com a instituição do Conselho Deliberativo;

 

6.      A continuação do processo de elaboração e execução (coletivas) no âmbito da Coordenação Nacional, de planos de trabalho anuais que permitam um efetivo acompanhamento dos casos de defensores sob proteção, das demandas de proteção, bem como das demais ações de competência dessa Coordenação;

 

6.1.A criação de uma metodologia de circulação de informações e encaminhamentos entre a Coordenação Executiva e a Coordenação Nacional, que contemple a elaboração simultânea, leitura e aprovação de atas das reuniões da coordenação nacional;

 

6.2.O encaminhamento de relatórios técnicos e a divulgação do orçamento previsto e executado do Programa;

 

7.      A realização de oficinas de trabalho entre as coordenações nacional e estadual, sociedade civil, defensores de direitos humanos, policiais protetores, equipes técnicas, para discussão dos entraves e desafios à implementação do PPDDH.

 

8.      Celeridade na investigação das violações de direitos humanos e os crimes perpetrados contra os defensores de direitos humanos.

 

9.      Federalização da investigação do assassinato de Manoel Mattos e maior envolvimento da SEDH junto a STJ, com a participação da Dona Nair Ávila nas audiências com Ministros/as do STJ.

 

Atenciosamente,

 

Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos

Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra

Centro de Assessoria Popular Mariana Criola

Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará

Centro de Direitos Humanos - Dom Oscar Romero –CEHDOR

Centro D. Helder Câmara de Estudos e Ação Social

Centro de Defesa de Direito Humanos – Pedro Reis – ES

Comissão de Direitos Humanos da OAB/DF

Dignitatis – Assessoria Técnica Popular.

Grupo de Apoio e Defesa dos Direitos Humanos de Salto da Divisa - MG

Grupo Tortura Nunca Mais – BA

Instituto de Estudos da Religião - ISER

Justiça Global

Movimento Nacional de Direitos Humanos

Sociedade Paraense de Direitos Humanos

Terra de Direitos

 

Defensores/as de Direitos Humanos: Capitão Potiguara (PB), Irmã Geralda Magela da Fonseca (MG), Maria Ivete Bastos dos Santos (PA), Monica Cybelle de Albuquerque (PE), Nair Avila dos Anjos (PE).



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"A ordem universal frequentemente apresentada como irresistível é, todavia, defrontada e afrontada, na prática, por uma ordem local, que é sede de um sentimento e aponta um destino." M.S.

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