17 de abril
Vinicius Mansur
Brasília (DF)
No estado do Pará, no dia 17 de abril de 1996, cerca de 1500 trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra, que lutavam há aproximadamente dois anos por seu direito, assentaram-se em um espaço improdutivo depois de serem expulsos de suas próprias terras. Mobilizavam-se até a capital do Pará, Belém, com a finalidade de apresentar suas demandas e exigir solução para a sua situação.
Quando chegaram à cidade de Eldorado do Carajás, a marcha parou para que mulheres e crianças descansassem, mas foram atacados por mais de 100 policiais militares, que dispararam com armas de fogo contra os manifestantes. Dezenove trabalhadores morreram, 69 ficaram feridos e não se sabe quantos podem haver desaparecido pela violência. Até hoje, não há nenhuma condenação para este crime cometido contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Pior: os policiais julgados foram absolvidos.
No mesmo dia, dirigentes camponeses de todo o mundo, integrantes da Via Campesina, reunidos em Tlaxcala, México, em sua Segunda Conferência Internacional, ao saber destes fatos, declararam 17 de abril como o "Dia Internacional da Luta Camponesa".
Em 25 de junho de 2002, o então presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, decreta o dia 17 de abril como o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária.
Confira, a seguir, o vídeo feito pelo Coletivo de Comunicação da Cloc (Coordenação Latino Americana de Organizações do Campo) – Via Campesina.
http://www.youtube.com/watch?v=jMr-ECy57zE&feature=player_embeddedSeminário lembra 15 anos do massacre
Para dirigente do MST, "reconhecer as mortes desses companheiros é fazer reforma agrária"
15/04/2011
Vinicius Mansur
Brasília (DF)
Militantes e apoiadores dos movimentos sociais e autoridades de Estado lotaram o auditório Nereu Ramos, da Câmara dos Deputados, para o seminário que lembrou os 15 anos de impunidade do massacre de Eldorado dos Carajás, na manhã desta quinta (14).
Uma mística feita pelo grupo de teatro do MST, Semeadores, e o vídeo "Eldorado dos Carajás 10 anos" abriram o seminário proposto e dirigido pelo militante do MST e deputado federal Dionilso Marcon (PT-RS).
Representando a presidência da República, o secretário de Articulação da Secretaria Geral, Paulo Maldos, e o secretário executivo da Secretaria de Direitos Humanos, André Lazaro, louvaram a iniciativa. "Essa prática de homenagem e memória é fundamental para nós, lutadores do povo. Atos assim mantêm a memória viva e a indignação acessa", disse Maldos.
O dirigente do MST, João Paulo Rodrigues, lembrou que o seminário é uma das atividades da jornada de lutas que o movimento realiza anualmente, em torno do dia 17 de abril, "dia de luta pela terra em nível nacional e internacional, reconhecido pelo Estado brasileiro, por lei assinada pelo FHC, um dos culpados desse massacre", ressaltou. Perguntado pela imprensa sobre onde estaria o "Abril Vermelho", o dirigente salientou que ele acontecia ali e "nas 75 fazendas improdutivas já ocupadas nesta jornada", além das manifestações em mais de dez capitais do país.
Reivindicações
Dirigindo-se ao governo, João Paulo cobrou:
"A Dilma tem dito que combaterá a pobreza. Combater a pobreza no campo não é levar bolsa-família e cesta básica, é desapropriar o latifúndio. Nesta semana da jornada de lutas, estamos saindo de Brasília após uma difícil negociação. Mesmo com um governo progressista vemos a lentidão do Estado brasileiro. Não queremos começar esse ano como primeiro ano de governo Dilma, mas como nono ano de governo do PT. Reconhecer as mortes desses companheiros é fazer reforma agrária."
Ainda em sua fala, o dirigente cobrou do Congresso um posicionamento contra o fechamento de escolas no campo e apontou que a dívida dos assentados e o descontingenciamento de todos os recursos da educação eram as pautas emergenciais que o movimento cobrava em Brasília. Entretanto, o MST pretende voltar com outros movimentos a capital federal, ainda este ano, "com uma plataforma para quatro anos, que vá além das medidas emergenciais", disse.
O dirigente destacou a importância de uma atividade dentro do Congresso Nacional, "que sempre foi uma barreira para nós e onde a representação do latifúndio é tão forte".
"Demorou 25 anos para a gente eleger dois sem-terra para esse Congresso, que sempre foi uma barreira para nós. Aqui onde é tão forte a representação do latifúndio. Poder organizar um seminário nessa casa é muito importante."
O deputado federal Valmir Assunção (PT-BA), também oriundo das fileiras do MST, qualificou o seminário como uma forma de dizer aos latifundiários que os sem-terra também têm expressão dentro da Casa. "Porque aqueles que lá fora dizem que são a favor dos mais pobres, aqui dentro votam a favor da manutenção da estrutura agrária. Digo isso porque ontem tinha uma medida provisória que concedia incentivos fiscais e um deles era para a Monsanto. Nós conseguimos derrotar essa medida impedindo que essa empresa tenha mais lucro para destruir a vida das pessoas. Dissemos ao Caiado que se ele quer discutir a reforma agrária, discutiremos. Mas também discutiremos o agronegócio", concluiu.
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP), a liderança do Movimento de Moradia do Centro (MMC), Gegê e o embaixador da Venezuela no Brasil, Maximilien Arveláiz, também compuseram a mesa.
Fotos: Vinicius Mansur
Carajás 15 anos, o massacre presente
Aniversário da chacina lembra a necessidade de punição aos assassinos e de tratamento e indenização às vítimas
15/04/2011
Márcio Zonta
de Eldorado dos Carajás (PA)
Ao andar pelas ruas da vila do assentamento 17 de abril em Eldorado dos Carajás, ainda escuta-se muitas histórias sobre a marcha que culminou no massacre da curva do S, na rodovia PA 150, em Eldorado do Carajás, há 15 anos. Os sobreviventes ainda têm dúvidas quanto ao número oficial de mortos divulgados pelo Estado, pois há crianças, homens e mulheres desaparecidos que não estavam na lista dos mortos e, tampouco, foram encontrados depois. As marcas do massacre persistem tanto na simbologia da conquista das cinco fazendas, parte das 15 existentes no complexo Macaxeira, quanto no corpo dos mutilados ou na cabeça de muitos que viveram aquele 17 de abril de 1996.
"Foi a tarde mais sangrenta da minha vida", recorda Haroldo Jesus de Oliveira, o primeiro sobrevivente a conversar com a reportagem. Quem o vê trabalhando atencioso e calmo na Casa Digital 17 de abril, monitorando jovens e crianças no manuseio da internet, não imagina as recordações que ele guarda. "Acordamos felizes naquela manhã do dia 17, pois o Coronel Pantoja, junto a uma comissão, do então governador Almir Gabriel (PSDB), disse que daria os ônibus para que fossemos até Belém, onde pressionaríamos o governo para desapropriação dessas terras. Inclusive, já tínhamos desobstruído a rodovia na noite anterior, já que esse era nosso acordo, e preparado a alimentação para as famílias que participavam da marcha", diz Oliveira.
Onze horas da manhã venceu o prazo do acordo, e em vez de chegar os ônibus, que levariam cerca das 1,8 mil famílias da marcha, chegou o batalhão da Polícia Militar, o que fez com que as famílias retomassem a estrada. "Eu me lembro como se fosse hoje. Estávamos de prato na mão, almoçando, sob uma chuvinha leve, um sereninho bom. Muitos homens começaram a descer dos ônibus da polícia e montar o acampamento, por volta de três da tarde, e ficaram cerca de 90 minutos preparando-se, como se fossem para uma guerra", relata Oliveira.
Depois de estabelecidos os policiais no local, a mesma comissão disse que não providenciaria os ônibus e que tinha ordens do governador para retirar as famílias da via. "Nós nunca pensamos que poderia acontecer aquilo. Perto das 17 horas, começaram a jogar bombas de efeito moral contra as pessoas e a atirar no chão. Pessoas tomavam tiros nas pernas e caiam. Mas aqueles que iam para cima, eles atiravam no peito mesmo". A carnificina começou naquele momento e pelas contas de Oliveira durou cerca de cinquenta minutos.
"Tive que sair pelo chão me arrastando para o miolo de gente junto à água da chuva, que se misturava com sangue, tinha muita gente no asfalto ferida, gritando, chorando...", lembra emocionado Oliveira.
Premeditado
Amanhece no assentamento 17 de abril e, enquanto, muitos agricultores já estão na roça, as 7h, começa a entrada das crianças na escola que leva o nome de Oziel Alves Pereira, sem-terra de 17 anos espancado até a morte no hospital pelos policiais, por gritar palavras de ordem do MST, na noite do dia 17 de abril, em Curianópolis (PA), para onde foram levados os feridos.
Zé Carlos, companheiro de linha de frente junto a Oziel no dia do massacre, confere a mochila do filho na frente da escola, passa algumas recomendações e o beija ao se despedir. Sobre o dia da chacina, que lhe custou uma bala alojada na cabeça e a perda de um olho, Zé Carlos é enfático: "utilizaram-se de táticas de guerra". Zé lembra que um caminhão que estava parado na estrada, por causa do bloqueio, foi oferecido às famílias como proteção. "O motorista chegou e disse: 'vou atravessar esse caminhão na pista para ajudar vocês'. Mas estranhamente toda a ação policial iniciou-se atrás desse veículo, sendo o escudo principal deles, tapando nossa visão. Foram os policiais que pediram", garante.
Zé conta que os policiais vinham do sentido de Parauapebas e Marabá, ambas cidades paraenses interligadas pela rodovia, além dos que saíam do meio da mata dos dois lados da pista. "Nos cercaram para matar mesmo, pois vinham de todas as direções atirando". Segundo Zé, é difícil para quem esteve no dia aceitar o número de apenas 21 mortos ditos pelo Estado."Isso é brincadeira. Morreu muita gente, entre homens, mulheres e crianças. Vi muita gente morta, não pode ser, Tenho até medo de falar, deixa isso para lá. Mas garanto que foi muito mais".
Ao apagar das luzes
Como se um espetáculo tivesse acabado, ao anoitecer no dia 17 de abril, as luzes do município de Eldorado do Carajás foram apagadas e seu cenário de morte, desmontado. Essa é a sensação que teve a jovem Ozenira Paula da Silva, com 18 anos na época do acontecido. "Apagaram as luzes para desmontar o que tinham feito, para limparem a via. Jogavam corpos e mais corpos em caçambas de caminhão, que tomavam rumos diferentes".
Após os primeiros disparos, Ozenira só teve tempo de pegar os seus três filhos, todos com menos de cinco anos, e correr para a mata ao lado, percebendo momentos depois que tinha sido baleada na perna esquerda, na altura da coxa. "Tinha muita gente escondida na mata, próximo às margens da rodovia e foi justamente essas pessoas que viram muitos corpos sendo desviados para fora do caminho do Instituto Médico Legal (IML), de Marabá, para onde eram levados os mortos".
Ozenira diz que algo lhe intriga até hoje. "Depois que terminou a matança, uma criança branquinha de uns dois anos foi achada na escuridão do mato, aos prantos, por uma mulher que procurava seus familiares. Essa mulher a recolheu. Sei que essa criança viveu com ela bastante tempo em Curianópolis, mas depois perdi o contato".
Onde estariam os pais da criança naquela noite? Ozenira responde: "Não tenho como provar, mas tenho quase certeza que estavam em algum caminhão de remoção de cadáveres", finaliza.
O massacre continua
Poucos mutilados receberam seus direitos de indenização e até hoje, quinze anos depois, muitos nem recebem a pensão mensal de R$346. Ozenira é uma delas. "Fui atendida no hospital apenas no dia do acontecido, depois nunca mais tive atendimento médico, tenho dias de dores horríveis e outros de dormência na perna", conta.
Já Zé, hoje aos 32 anos, foi um dos únicos a receber, em 2008, uma indenização de R$ 85 mil reais, mais a pensão mensal no valor citado acima. Hoje vive do que seus irmãos plantam em seu lote, já que tem dificuldades para trabalhar em função das sequelas do tiro na cabeça.
Mas, um caso em especial entre os mutilados chama a atenção. Mirson Pereira, um dos únicos que conseguiu uma cirurgia, no Hospital Regional de Marabá, para retirar uma bala alojada na perna esquerda. "Pensei que seria o fim das dores, mas quando voltei da sala de cirurgia o médico disse que havia errado e feito o corte na perna errada, disse que no outro dia realizaria o procedimento na perna certa, mas desisti, fiquei com medo e saí do hospital". Pereira continua com a bala na perna e ainda aguarda sua indenização.
O descaso do Estado brasileiro em relação ao massacre de Eldorado dos Carajás já gerou contra o governo um processo, em 1998, na Corte Interamericana de Direitos Humanos, com sede nos Estados Unidos, feita pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL). "O governo brasileiro agiu de duas formas quando foi notificado pela entidade internacional. Primeiramente, culpou os próprios marchantes pelo ocorrido e, num segundo momento, por força da opinião pública, disse que já fazia coisas no assentamento, o que compensava o ocorrido", explica Viviam Holzhacker, advogada assistente da CEJIL, que acompanha o caso.
No entanto, por pressão internacional, a advogada diz que o governo brasileiro aderiu a um processo, recentemente, de buscar acordo com os mutilados. "São feitas propostas de ambos os lados até chegar a um acordo. Deve levar mais uns cinco anos para ser resolvido o caso de todos", explica.
Diante deste imbróglio, na ausência de um tratamento médico adequado que cuide do corpo e da mente dos participantes da marcha, Índio, um dos mutilados, com duas balas alojadas na perna esquerda desabafa: "Aconteceu o massacre em 1996. Mas ele terminou? Não! Pois esse grupo [do assentamento] ficou apenas porque o Estado não deu conta de matar no dia. Ficamos para contar a história, sofrer e ir morrendo aos poucos num massacre diário, que só terminará por completo com nossa morte".
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